O que fica pra trás

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Estou no último capítulo do romance O Passado, do argentino Alan Pauls (Ed. Cosac Naify) ainda atordoado pelas infinitas interpretações que cada página inspira. Nem quis ver o filme do Hector Babenco, baseado no livro, pois sabia que tudo que ele me traria de certa forma seria uma traição do que são as personagens da história. Rímini não é Gael G. Bernal, o professor de lingüística não é Paulo Autran (mas bem que poderia ser) e Sofia... bem, nem sei quem faz a Sofia. Mas vou assistir logo que terminar o livro.

O Passado traz a história de Rímini, tradutor de francês e de outros idiomas, namorado de Sofia, uma espécie de fisioterapeuta alternativa, que vivem em harmonia. Até que acaba o relacionamento e a vida continua, cada um na sua, para surpresa de todos parentes, amigos e afins. Porém, a aparência é maior do que a verdade e os fantasmas começam a rondar a vida de Rímini, o protagonista. O fantasma da ex-namorada, os espectros de uma vida desregrada, à base de cocaína e loucuras, ectoplasmas de um pintor moderno, tão moderno que enlouquece. Essas histórias se cruzam e servem de pano de fundo para uma prosa que, apesar de não ser das mais leves, é atraente e instigante. Como comentei lá em cima, cada página traz um pouco do passado de cada um de nós e nos faz pensar se nossas escolhas até agora foram as mais acertadas, nos alegra pelas certezas, nos entristece pelas incertezas e, em cada reflexão, algo surpreendente bate em nossa cara, nos estapeia.

Entre amores mortos, mortes por amor e diversas ressurreições do protagonista, Pauls entrecruza diversas vidas para dar corpo não ao tradutor, mas ao que nos ronda a todo o momento: o que já fomos.

Em passagens cinematográficas, linguagem burilada em diversas fábulas urbanas que envolvem o tradutor Rímini, O Passado traz à tona o que quase todos nós desejamos esquecer: o que fica para trás.