(Texto originalmente publicado em Letras e Vozes e cai bem hoje, após uma aula do prof. João Jonas, no Curso de Escritores)
Talvez eu seja voz solitária no meio de uma multidão, mas de qualquer forma o calar é minha última intenção. Tenho horror a texto asséptico, clínico, de mãos empelicadas, perfumado, embalado para presente. Texto impermeável, palavras com camisinha, de construções límpidas e intocadas, sem máculas. Como para uma exposição, escoltado por guardas da multidão plebéia. Encarcerado numa torre imensa, a espera que alguém o leia.
Onde estão, enfim, as impressões digitais? A mancha de gordura, o fedor de cigarro? Para onde foram os rastros de café, de um romantismo piegas. O texto tem que ser o mundo, há de tê-lo. Rasgado com navalha enferrujada, com cheiro de mato e brisa, esgoto e beco mijado, de leite quente com açúcar, de bosta de cachorro vadio. De suor azedo, de flor de laranjeira, de sexo incandescente, sem limites. De chá mate, de nenê após o banho, de peixe podre.
Lembro-me de Patrick Süsskind e de seu famoso "O Perfume", escritos que rescendem Paris do século XVII. De Roberto Drummond e seu "Cheio de Deus", com seus fantasmas e a dama-da-noite em flor numa Belo Horizonte cenográfica. E outros que se utilizaram de gostos, sensações, sinestesicamente engajados para tirar o leitor da realidade fantasiosa para colocá-lo na fantasia real. E então tropeço em textos dietéticos, saudáveis, irretocáveis e sem graça. Sem sal. Para hipertensos.
"Suje-se gordo" como diria o Bruxo do Cosme Velho. É a nossa função também sujar as mãos de lodo e de sangue, de farinha e de merda, de carvão e de rosas. O leitor não precisa ser poupado; ao contrário, tem de se sujar junto conosco, experimentar, sentir. Essas são as letras que eu sinto. Essa é a literatura que eu persigo.
Talvez eu seja voz solitária no meio de uma multidão, mas de qualquer forma o calar é minha última intenção. Tenho horror a texto asséptico, clínico, de mãos empelicadas, perfumado, embalado para presente. Texto impermeável, palavras com camisinha, de construções límpidas e intocadas, sem máculas. Como para uma exposição, escoltado por guardas da multidão plebéia. Encarcerado numa torre imensa, a espera que alguém o leia.
Onde estão, enfim, as impressões digitais? A mancha de gordura, o fedor de cigarro? Para onde foram os rastros de café, de um romantismo piegas. O texto tem que ser o mundo, há de tê-lo. Rasgado com navalha enferrujada, com cheiro de mato e brisa, esgoto e beco mijado, de leite quente com açúcar, de bosta de cachorro vadio. De suor azedo, de flor de laranjeira, de sexo incandescente, sem limites. De chá mate, de nenê após o banho, de peixe podre.
Lembro-me de Patrick Süsskind e de seu famoso "O Perfume", escritos que rescendem Paris do século XVII. De Roberto Drummond e seu "Cheio de Deus", com seus fantasmas e a dama-da-noite em flor numa Belo Horizonte cenográfica. E outros que se utilizaram de gostos, sensações, sinestesicamente engajados para tirar o leitor da realidade fantasiosa para colocá-lo na fantasia real. E então tropeço em textos dietéticos, saudáveis, irretocáveis e sem graça. Sem sal. Para hipertensos.
"Suje-se gordo" como diria o Bruxo do Cosme Velho. É a nossa função também sujar as mãos de lodo e de sangue, de farinha e de merda, de carvão e de rosas. O leitor não precisa ser poupado; ao contrário, tem de se sujar junto conosco, experimentar, sentir. Essas são as letras que eu sinto. Essa é a literatura que eu persigo.
(Texto talhado em 1.400 toques)