O bêbado e a lágrima

Para João e Isa

"Sou honesto... tenho 52 anos, tô desempregado. Não quero roubar, não sou ladrão..."

Mostra as mãos negras, calejadas. Os dentes amarelos se mostram num esgar que beira o espasmo. Rescende a cachaça, cerveja, cigarro e, mesmo assim, não fede. Bem arrumado para o seu estado de embriaguez. E a lágrima.

"Queria saber dos senhores..."

São três, na General Olímpio da Silveira, embaixo do Minhocão. Entre o som furioso dos carros naquela noite em que a temperatura começava a despencar, eles conversavam, antes da despedida. Cada um com seu rumo certo frente àquele que talvez não tivesse para onde ir na noite que se regelava aos poucos.

"Honesto, sou honesto, podem ver..."

Olhamram-se primeiro ressabiados. Cumprimentaram, não destrataram, mas cuidaram logo de esboçar a despedida. Os guinchados dos ônibus nos pontos fazem piscar os olhos do bêbado, que transbordavam desde a primeira frase. Na cabeça dos três ressoava límpida a frase de um falar enrolado, intermitente. A imagem do alaranjado sem vida da camisa limpa, num bonito contraste com a pele dum negrume-noite não condiz com as palavras soltas ao vento, despejadas sobre os três-com-rumo.

"Queria um real. Um real para voltar para casa."

Nesse momento, como uma jangada singrando vigorosa um mar espasmódico, uma lágrima corta o rosto do bêbado. Lágrima que aos borbotões surgia entre os cílios grandes que ladeavam seus olhos baços como os de um cego. Seus pés tamborilavam a calçada, como num sapateado descompassado, tap-tap-tatap no chão da avenida. E o não.

"Não temos, apenas pra voltar pra casa."

Os três se olhavam e meneavam a cabeça, como se culpados. Essa é a dor do mundo, pensou um deles. Essa é a dor do homem, pensou outro. E a moça, que entre eles tiritava pelo frio, se perguntou "Por quê?". E antes que pudessem mudar tudo, alterar aquela ordem, deixar que ele voltasse para a sua casa, o bar-copo-sujo, o boteco único companheiro, saiu num tropeço patético e penoso, com a dor do mundo, com a dor dos homens e com aquele imenso por quê. Mas não sem antes dizer, entre um soluço etílico e outro esgar choroso: Muito obrigado.