Hoje comemora-se o dia do tradutor, data festiva para nós, profissionais-ponte de culturas! O dia 30 de setembro foi escolhido pois é o aniversário da morte de São Jerônimo de Strídon, o primeiro tradutor da Bíblia do hebraico e do grego para o latim (a Vulgata), que tomou 15 anos de trabalho.
Em homenagem ao nosso dia, publico um texto que está na revista eletrônica Cronópios, que fiz para que todos pudessem se dar conta de como nossa profissão ainda é pouco conhecida e bastante desrespeitada:
Mãos ao alto, tradutor!
por Peterso Rissatti
Reconhecida como quase a mais antiga das profissões, a tradução ainda padece do jugo do desconhecimento do grande público e, dessa forma, fica mais sujeita aos mandos e desmandos de interesses escusos do que ao contrário poderia ser. Talvez por ainda ser considerada um mal necessário e não, como já se comprovou, a única via para o acesso universal a cultura, os tradutores não conseguimos reunir forças perante os ditames de um mercado de poucos bons profissionais e muitos aventureiros e amadores. Mesmo no âmbito acadêmico há o preconceito contra obras traduzidas, no qual as traduções são relegadas aos estudos de precisão lingüística, e os acadêmicos “recusam-se a considerá-la como transmissora de valores literários na cultura-alvo”[1] (Venuti, 2002) . Nesse sentido, lesar um tradutor que há anos cumpriu com seu papel se torna uma tarefa sinecura, como se mostrou em recentes acontecimentos.
Somos intermediários entre culturas, contudo a importância de nosso ofício não é noticiada, sequer reconhecida pela grande mídia. Invisíveis, perambulamos pelas obras alheias, trazendo-as para que o grande público possa usufruir o bem que o conhecimento traz. Ao mesmo tempo, a natureza autoral do nosso esforço é inegável e tem seus direitos protegidos por lei, dado que o produto de nossa tarefa constitui uma criação do espírito, nos termos do artigo 7º da lei 9.610/98. Porém, no atual mercado editorial brasileiro, como se defender dos vilipêndios de agentes inescrupulosos da indústria cultural, preocupados apenas em gerar lucros imensos com o trabalho alheio, tendo em vista que a legislação não se baseia em consultas aos tradutores, mas na praxe mercadológica? Sem a união de profissionais em prol da causa, a dificuldade aumenta para níveis extraordinários, como comenta o tradutor Adail Sobral em matéria para o Observatório de Imprensa : “Enfim, estou convencido de que há necessidade de se criar a classe dos tradutores para alguma coisa melhorar. Unidos teremos alguma chance” [2]. E não apenas o tradutor sofre prejuízos, como atualmente editoras têm contabilizado perdas, como é o caso da L&PM e da Editora Globo, que já se articulam judicialmente para obter indenizações.
O basta veio com o abaixo-assinado eletrônico (http://assinado-tradutores.blogspot.com/), um blog feito por tradutores que, indignados com as matérias que ecoaram em diversos veículos da imprensa, resolveram ingressar numa batalha contra a situação vexatória que se instalou publicamente, mostrando que não apenas havia um prejuízo econômico patente para os maiores interessados, mas também a degeneração da formação de nosso patrimônio literário traduzido, hoje infestado com obras não apenas plagiadas, mas também, em não raros casos, remontadas e enxertadas como monstros frankinstenianos. O apoio ao movimento vem de centenas de tradutores, da Academia Brasileira de Letras, além de diversos grandes autores da nossa literatura e editoras. Denise Bottmann, uma das tradutoras responsáveis pelo abaixo-assinado, descreve os resultados da pilhagem das obras traduzidas: “o que nunca se pode esquecer é que são milhões de exemplares que estão em lares, escolas e bibliotecas, impunemente destruindo a memória e o patrimônio cultural do país, num processo de danos quase irreversíveis. São centenas de teses, artigos, dissertações, referências e indicações bibliográficas para vestibulares e concursos públicos, tudo sacramentando as fraudes”.
União seria a palavra de ordem no caos que se instalou. Para que se corrija o embuste e não se perpetuem os danos causados à arte e à formação cultural brasileira, tradutores, editoras, jornalistas e a opinião pública necessitam criar e fomentar uma devassa ao mal-caratismo que avilta os trabalhadores da palavra. Dessa forma, e apenas assim, poderemos trilhar um caminho mais justo e próspero.
[1] VENUTTI, Lawrence. Escândalos da Tradução. Bauru, SP: EDUSC. 2002. Trad.: Laureano Pelegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esquerda e Valéria Biondo, p. 67.
[2] SOBRAL, Adail. Direitos Autorais e ética profissional. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=475JDB003.