Amor de saquinho


O ser humano chegou num grau de carência tão desmedido que mereceria ser estudado. Apesar do aprendizado de milhares de anos, parece que ainda não percebeu que o tempo é o fator mais importante de qualquer relação, seja ela familiar, profissional ou amorosa. Que não adianta colocar carros diante de bois ou qualquer clichê que se use para mostrar que cada coisa tem seu tempo. E o pior de tudo é que essa noção é uma das mais básicas na nossa vida, que não dá para ter cinco anos de idade hoje, quinze amanhã e vinte e cinco depois de amanhã: as idades vêm, como os amores, os familiares, os amigos, as experiências e descobertas.
Ouvi uma história hoje da qual eu ri no início e depois me deixou pensativo. Num bar com amigos, tomando cerveja, comemorando um aniversário, o assunto carência veio à tona. Rimos muito com maluquices das pessoas carentes, inclusive mencionei que tradutor é um bicho muito carente, pois costuma trabalhar solitário, em sua casa, e quando tem a oportunidade de contato com outro ser humano que não virtualmente quer aproveitar aquele momento ao máximo. E geralmente isso se dá em palestras, cursos e afins.
Mas uma história em especial me tocou, não me emocionou, mas me levou ao ponto de pensar e repensar como a questão carência nesses tempos cibernéticos e internéticos piora em larga escala e as pessoas ainda acreditam que estão em seu estado normal, que não precisam de ajuda. Um encontro, duas pessoas com mais de dezoito anos, vacinadas. Terceiro encontro, começa a surgir o que se pode chamar de relacionamento duradouro hoje em dia. Ainda se pisa em ovos no terceiro encontro, você está conhecendo a pessoa, apurando suas impressões preliminares, curtindo aquele momento com alguém diferente, desbravando um novo mundo. Inclua aí, em maior ou menor grau, frios na barriga, vontade de encontrar, até quiçá uma pontinha de esperança de um futuro juntos.
- Eu te amo - diz a outra parte.
Como assim? Que brincadeira é essa com o amor, o sentimento mais idolatrado e temido entre os seres humanos, quase um semi-deus de todos os tempos, palavra que não basta falar, tem que sentir. Elis cantou tanto "amor só é bom se doer" que todo mundo devia saber que "eu te amo" só passa a ser frase corriqueira do casal quando se há alguma certeza, a mínima que seja, senão deixa ser título de música do Chico Buarque (aliás, bela música).
- Peraí, você me assusta desse jeito.
Resposta mais óbvia não poderia ter. A não ser que você acredite piamente em amor de saquinho (explico já para quem não entendeu), não se deve dizer essas três palavras enquanto os sinos não soarem, enquanto você não enxergar borboletas amarelas abrindo caminho para a pessoa quando ela chega até você numa tarde morna ou seu peito quase explodir quando a pessoa lhe toca. E se você sentir isso tudo no terceiro encontro, sinto informar, é alucinação. O amor precisa de tempo para se instalar, é um senhorzinho velho e cansado numa estrada comprida com um trono na ponta e quando ele chega nesse trono ainda precisa de tempo para sentar-se, à maneira dos senhores velhinhos e cansados. E se não for assim é amor de saquinho, como chá de saquinho ou sopa, novidades modernas. Você coloca um pouco de água quente e pronto, lá está o amor, com toda sua exuberância, seu tempo de convivência, sua troca de energias e intimidades, seus pudores e despudores, sua libido com altos e baixos, as neuras de amor que sempre existem, o ciuminho temperado, as juras e todo o resto que tornam o amor algo realmente especial. Não instantâneo.
Paixão, esse deve ser o nome. Essa pode ser como nescafé, numa xícara com água fervendo. Pode durar um dia, uma semana. E pode virar amor. E aí sim, e somente assim, se aconselha a proferir as três palavrinhas. E quando fizer isso, saiba que é um caminho sem volta.