Filmes assim, filmes assado

Os últimos dois filmes que assisti me fizeram pensar sobre o cinema e suas intenções. A sétima arte foi criada para muitos propósitos, um deles é a diversão e a reflexão de outras vidas (como o teatro e a literatura, por exemplo) e, por isso mesmo, tem várias faces. Antes de continuar comento os dois últimos filmes mencionados.

zwartboek_200 A Espiã (Zwartboek, Holanda-Alemnha-Bélgica, 2006), de Paul Verhoeven traz mais uma história sobre o nazismo, porém na visão de uma mulher. Rachel Stein, judia, perde seu esconderijo num bombardeio e parte para o sul da Holanda, por intermédio de um "bom samaritano" que por uma módica quantia se propõe a enviar judeus para uma região onde os nazistas ainda não chegaram. Porém, o transporte utilizado é encontrado pelos nazistas e todos são dizimados, menos a nossa heroína. Encontrada por um grupo rebelde, é levada para o esconderijo e adota o nome Ellis de Vries, com o objetivo de se aproximar de um oficial da SS (polícia secreta alemã) e servir de espiã dentro do núcleo nazi. Filme que mostra, além das agruras da guerra, a confusão de sentimentos de alguém que sofre os horrores da Segunda Grande Guerra. O tema parece batido, mas o filme vale muito a pena.

Dans-Paris

Em Paris (Dans Paris, França, 2006). Paul e Anna, casal moderno, resolvem sair de Paris e viver no interior. Um ano de instabilidade depois, separam-se e Paul volta a viver com seu pai, o aposentado Mirko, e seu irmão mais novo, o mulherengo Jonathan. No dia 24 de dezembro Jonathan acorda e resolve contar a história de sua família e aceita o papel de coadjuvante narrador do filme. Encontros é a palavra certa para definir os atos desse filme. A música incidental, jazz da melhor qualidade, acompanham e dão mais cor aos personagens. O diretor Christoph Honoré cria um filme sobre tristeza, mas não é um filme triste, muito pelo contrário. Mostra que na cidade dos amantes, os mal-amados têm muito mais a dizer do que os primeiros. Que o amor em Paris paira no ar, e todo tipo de amor. E que se jogar da ponte às vezes é a melhor opção.

Estamos habituados a filmes (em especial os blockbusters) nos quais o que assistimos é o acontecimento mais importante (senão o único de real importância) que acontece na vida do protagonista. Antes e depois daquilo pode não haver mais nada de especial. Em A Espiã, Rachel Stein passa por situações fantásticas e tristes também, nos quais temos a tal catarse aristotélica, ou seja, nos colocamos no lugar dela, sofremos com ela, choramos por ela. Essa é uma das funções do cinema. Já em Em Paris a história é outra. O retrato é da vida comum. Um dia pinçado entre tantos outros dias de uma família francesa. Muito mais próximo da gente, como seres humanos, sem ter que passar por dificuldades extremas como Rachel Stein passou, mas sim por problemas cotidianos que aparecem, se resolvem (ou não) e somem, enquanto outros vêm à tona. Talvez por isso o tal sentimento de identificação seja no início mais difícil (pois prefiriríamos estar em uma vida mais enlouquecida do que vivendo o dia-a-dia comum, apesar dos pesares), mas no fim das contas, a vida mais próximas nos faz pensar bem mais em quem somos e no que nos transformamos a cada alegria, a cada desilução, a cada reencontro.