Tolstói e a Morte



"... depois que um homem aprende a pensar, pensa sempre na própria morte, poucoimporta no que esteja pensando. Todos os filósofos fizeram assim. E que verdadepode haver uma vez que existe a morte?" Lev Tolstói (1828-1910)
Acabo de ler A morte de Iva Ilitch (Ed. 34, Tradução de Boris Schneiderman), pequena novela do escritor russo Lev Tolstói de uma força espetacular. Em pouco mais de 70 página, de texto denso e filosófico em muitos momentos, leve e divertido em tantos outros, esse mestre da literatura russa desbrava um terreno que a muitos causa medo, a outros causa curiosidade, mas que em uníssono o ser humano pode afirmar que é a única certeza que temos enquanto vivos: a indelével morte. O livrinho traz a história de Ivan Ilitch, magistrado em boa conta com toda a sociedade na Rússia do século XIX, que vive de maneira confortável e pacífica, sobremaneira vazia de sentido maior, apenas uma vida comum: formou-se, integrou-se à sociedade, por ela se casou sem amor, com algumas ambições, mas nada extraordinário. O início do livro traz o funeral desse magistrado e as impressões primeiras de seus colegas de trabalho, amigos, família, todo o cinismo revestido de convenções sociais. A partir daí, perscruta-se a vida pregressa de Ilitch, sua infância, o início da vida adulta, que muito se assemelha ao do próprio Tolstói, casamento, filhos, até culminar na sua doença e morte.
O livro, na verdade, constrói-se a partir de imagens do cotidiano, da vida de Ivan Ilitch, de sua filosofia da vida mundana, de um esforço para ser aceito na alta sociedade, sem brios ou vitórias reais, mas acontecimentos de sua vida de pouca grandeza, sem heroismo. Aliás, ao adoecer, dois antiheróis surgem em Ivan Ilitch: sua doença, que lhe toma o lugar de protagonista e a relação da sociedade com o moribundo, o real abandono do moribundo perante todas as pessoas de seu círculo, exceto Guérassim, fiel mujique que acompanha sua dor. Obra de maturidade do autor, é considerada por muitos contemporâneos dele e nossos como uma das obras primas da literatura russa. A visão sobre a morte muda consideravelmente depois da leitura de A morte de Ivan Ilitch.

PS.: Nesta edição da 34, não deixem de ler os posfácios do tradutor e de Paulo Rónai, imperdíveis mesmo.