Diálogos III


(Violino, de Nicoletta Dermota)

Noite quente de inverno paulistano, um inverno de estufa, abafado. O céu limpo, tempo seco, a poluição começa a descer e forma uma crosta cinza sobre a cidade. Tosse, muita tosse entre os transeuntes, gargantas secas. Recomenda-se água em abundância, bacia d'água no quarto ou umidificador à noite, e mais água. Chuva que não vem. No centro da Cidade a poeira acumula-se mais e impregna no asfalto, nos prédios, nas roupas, na garganta. A fuligem já faz parte do nosso corpo, dos cabelos. Rua são Bento, numa tarde qualquer, um som atrai o ouvido do rapaz que por ali passa ao acaso. Vira num pequeno largo e chega à rua do Comércio, ruazinha estreita que liga a são Bento à XV de Novembro. Ternos, gravatas e tailleurs desfilam exuberantes. Com exceção das roupas simples do violinista:
- Oi.
(O violinista balança a cabeça.)
- Que bonito. Onde aprendeu a tocar?
- Com um professor que dava aula onde eu morava. Heliópolis.
- Hum. E conseguiu comprar o violino, não é muito caro?
- É. Mas tive ajuda. E agora ganho uns trocos com ele.
O rapaz havia parado de tocar seu violino por uns instantes, para afiná-lo e tomar um gole de água. O estojo do violino escancarado à sua frente aguardava a ajuda de bons corações, que se compadecem ou que realmente gostam da música e apenas pagam pela apresentação do violonista. O rapaz acredita que assim é mais justo. Deposita 5 reais no estojo.
- Você nunca pensou em ir pra uma orquestra? Você toca tão bem.
- Não estudei. Parei na oitava série do fundamental. Trabalhar e estudar na favela é fogo, tive que ajudar minha mãe com a criação do meu irmãozinho mais novo. Por isso estou aqui, tocando violino.
- Hum... queria poder te ajudar. Mas não estou em melhor situação. Desempregado faz uma cara de tempo, sem perspectiva. Tranquei a faculdade por falta de grana, tô matando cachorro a grito, moro sozinho e não quero...
Nesse momento, o violinista pega seu arco, arruma entre o peito e o queixo o instrumento e faz uma cara de questionamento ao rapaz a sua frente.
- ... não quero voltar pra casa dos meus pais. Situação complicada...
- Ah, sei. Difícil, imagino...
- Não é isso que você está pensando!
- Não pensei em nada.
Num gesto lépido, o músico reinicia com uma triste melodia. O gemido de seu violino mareja devagar os olhos do rapaz. Com os dedos, o rapaz percorre sua cabeça, num gesto dolorido, pesaroso. Balança devagar a cabeça, num adeus àquele violinista. E pensa, como nunca havia pensado antes.