(Baseado em relatos reais.)

Nos olhos do menino estava o desejo encarnado de amar. Mas tão novo, tão pueril. E a paixão arrebatou seu peito pequeno e frágil, trêmulo de algo que antes não havia sentido, nem por medo, nem por alegria. Algo se revelava diverso, muito diverso para ele de tudo que experimentara até então. Era paixão. Porém, não uma qualquer, não uma comum. Era seu vizinho, amigo de muitas brincadeiras em toda infância. Brincadeiras inocentes, pegador, esconde-esconde, corridas. Carrinhos e futebol. Peão e pipa. Desde que se dava por gente, lembrava do amigo ao lado. Nos natais e nos aniversários, ao soprar as velhinhas, nas fotos amareladas estava seu amigo lá, fiel, presente.

Numa boba manhã de terça-feira, saiu de casa para encontrar o amigo. Este ao mesmo tempo saia em seu portão, ainda com cara de sono, jeito preguiçoso. Olhou para o portão do menino e sorriu. O sorriso mais belo que se podia iluminar com o sol daquela manhã boba de terça-feira. Oi Lucas, disse o menino, e ouvir seu nome foi como um furacão para o menino. Uma tormenta, senão nos mares agitados da infância, no coração daquele menino Lucas. Não conseguia responder, não via saída para o ardor que sentiu no seu peito. Correu para dentro, chorando. Sua mãe perguntou o que havia... ele só repetia “o Pedro, o Pedro”.

Desde então amava. Aprendeu a controlar o desespero de querer sentir bem de perto Pedro, matava seu ímpeto com brincadeiras de lutinhas. Dividia seu lanche na escola com Pedro e tudo era Pedro: a brincadeira nas árvores do parque, o café da tarde com bolo de milho, o jantar na casa dele, o dormir na própria casa, o boné alternado, os carrinhos trocados, as figurinhas e o jogo de bafo. Pedro aprendera a andar de bicicleta com Lucas, mas ainda se sentia inseguro. Lucas acompanhava Pedro quase de mãos dadas nas suas bicicletas cross.

Um dia, Lucas acordou. E não queria mais sentir aquela dor proibida, pois todos falavam que os homens casavam com as mulheres e todo o resto era pecado. Que amar outro menino era sujo, feio. Sentia-se um pecador, aquele que o padre condenava em seus sonolentos sermões. Então pediu ajuda ao seu Deus, que ele acreditava ser rígido, mas caridoso. Entenderia sua dor e o ajudaria a resolver aquele impasse, auxiliaria a dar fim àquela dor.

Foi para o quintal, quietinho. Sua mãe havia saído para o mercado, demoraria a voltar. Aos prantos, num choro dolorido e profundo, pediu para virar menina. Com tanto empenho, com tanta fé, que seria impossível Deus não ouvi-lo. Sempre fui bom menino, nunca dei trabalho, Deus, me ajude. Quero ser menina, para amar Pedro, para estar com Pedro sem ser um pecador. E o choro escorria pelo seu rosto pequeno de anjo, seus olhos esverdeavam mais e mais com as lágrimas sob o sol brando da manhã.

Quando olhou, continuava menino. E nunca mais acreditou...