Dois Irmãos: as dores e os prazeres da adaptação de literatura
















(Capa do programa da peça)


Ao sair do teatro, Nana, Júlio, Luiz, Tiago e eu discutíamos a peça quando uma senhora deu seu veredito: "Horrível, não foi?". No início pensamos ser uma brincadeira, pois, no mais, havíamos gostado da peça Dois Irmãos, adaptação do romance homônimo de Milton Hatoum, que no momento anda comigo para cima e para baixo na bolsa, meu livro do momento (por força do Curso de Formação de Escritores e também pela vontade, já que eu havia lido Cinzas do Norte, do mesmo Hatoum, e gostado muito). Apesar do duro julgamento da senhora, temos que combinar que adaptação de uma obra belíssima como a de Hatoum não é fácil. Apesar de não ser longo, o livro de Hatoum tem densidade e uma originalidade no contar; dessa forma, adaptá-lo não é uma tarefa fácil.
A história dos dois irmãos gêmeos que se odeiam remonta à Bíblia: Caim e Abel são até mencionados na peça. Porém, os grandes escritores se destacam exatamente por isso: transformar o clichê em algo instigante, arrebatador, de aparência única. Foi o que fez Hatoum em seu romance: duas personalidades distintas, apesar da aparência idêntica, travam batalhas durante toda uma vida: de um lado Yaqub, o gêmeo introspectivo, do outro Omar, o gêmeo libertino, dividem o amor de Zana, a mãe libanesa zelosa de seus rebentos, porém com sua preferência pelo Caçula Omar. Por motivos misteriosos, Yaqub é enviado ao Líbano e volta, anos depois, já crescido para se reintegrar à família. Aos poucos os destinos das personagens se desenvolvem pelos olhos do narrador, alguém que presenciou o andamento das vidas do pai Halim, da mãe Zana, da irmã Rânia, da empregada índia Domingas e de todos naquela Manaus dos anos 1940. Jucca Rodrigues, o adaptador, fez um bom trabalho no texto original, soube resumir de forma apurada e gostosa o romance. Os atores também são bastante bons, com destaque para Luiz Damasceno (Halim), Imara Reis (Zana) e Vivianne Pasmanter (quase irreconhecível como a índia Domingas). O diretor Roberto Lage também fez um bom trabalho, porém achei o ritmo um pouco moroso demais, talvez intencionalmente, pelo ritmo manaura daquela época. Para quem tiver a oportunidade, vale a pena conferir.