Tradução, um difícil ofício

 
(São Jerônimo, patrono dos Tradutores)

O valor da tradução nos dias de hoje é difícil de mensurar. Muitas pessoas me perguntam como eu cobro pela tradução, como faço para medir a tradução em termos de dificuldade e em tamanho mesmo e até eu mesmo me pergunto como se faz isso em determinados casos. Além disso, há também a questão da boa ou da má tradução. Não estou falando de certo ou errado, conceito maniqueísta que não funciona na ciência tradutória como muitos pensam (inclua-se nesses muitos grandes tradutores e estudiosos que ainda vivem na época do "eu estudei mais, minha tradução é correta e/ou única), pois se pensarmos no que se baseia hoje grande parte dos estudos de tradução (corpus, equivalência, descontrução etc.), podemos ver que o relativismo tradutório é bem e bastante aplicado quando passamos a uma análise criteriosa da tradução de um termo ou de uma construção estrangeira.

Tão incerto como uma tradução correta é a figura do tradutor. Pois hoje em dia há escolas de tradução, mas que, como todas as outras escolas profissionalizantes, apenas concede/apresenta o ferramental que o aspirante a tradutor precisa ter para enfrentar o mundo. Tradutor de verdade ela será quando viver de tradução, ganhar seu pão lidando com as palavras de lá para cá e de cá para lá e conseguir se impor e ser respeitado por seus clientes, dando-lhes ciência do trabalho que dá cada frase que ele manda para traduzir para ontem de manhã.

Contudo, como queremos respeito, se muitos que se intitulam tradutores sujam nossa imagem perante editoras e agências, utilizando algum tipo de lobby ou Q.I. (quem indica) para conseguir uns trocados? Impossível impedir esse tipo de prática, pois muita gente que passa seis meses no exterior volta se achando "o" ou "a" tradutor(a) e, como a capacidade de avaliação dos clientes ainda é elementar, o parâmetro utilizado continua a ser o preço baixo ou a troca de favores.

Sem citar nomes por motivos óbvios, vou dar um pequeno exemplo que há pouco ocorreu com uma grande amiga. Preparadora de texto para editoras, essa amiga (a quem chamaremos de Mary) aceitou o trabalho de uma editora que já possui um nome no mercado para fazer a preparação de um livro sobre uma área das artes, traduzido. Mary adorou a idéia, pois ela é afeita à tal área e poderia muito bem usar seu conhecimento para "arredondar" o texto.

Ledo engano.

Quando iniciou o trabalho, Mary percebeu que havia algo de errado com a tradução. Que o texto, apesar de ter uma redação razoável, não possuía o mínimo de pesquisa nos termos e cuidado na construção de frases. Traduções de nomes de bairros e cidades, traduções realmente erradas (como, no caso de "dar a luz" [to delivery a baby], o tradutor usou "entregar" [to delivery a letter]), denotando a falta de cuidado e de compromisso com o próprio nome e com o nome de todos os outros tradutores. Porém, o caso desse tradutor é diferente: amigo pessoal do editor, seu nome é intocável pelos funcionários da editora. Ao reclamar sobre a qualidade da tradução, ouviu do outro lado da linha: "Não podemos fazer nada, o tradutor é amigo do editor e nosso orçamento já acabou. Vou ver o que consigo fazer". Minha amiga acabou tomando a atitude correta: desistiu de fazer o trabalho do tradutor para não se estressar, pois estava ganhando aquém do que deveria e ainda fazendo o trabalho do fulano que se dizia o profissional da tradução!

Negar que o trabalho do tradutor é árduo é impossível, como sabemos, pois a transposição de idéias contidas num texto, nuances e intenções de um idioma para o outro não se apresenta como a mais tranqüila das tarefas. Contudo, como vimos aí e como há em tantas outras ocasiões, não se honra a beleza e as deliciosas intempéries da nossa profissão, em pequenos gestos que atrapalham em muito as lutas por reconhecimento e pela valorização desse belo ofício. Se é vã essa luta perante interesses diversos, não me é dado saber. Importa mesmo é que essa luta não páre no primeiro obstáculo.