O que não vejo













A espera por notícias é sacrificante, dolorida. Acendo mais um cigarro, que me deixa um gosto amargo e me faz enjoar. Talvez eu tenha fumado demais já, a ponta de meus dedos amarelecidos denunciam a noite em claro, fumando e olhando pela janela. Esperando um telefonema, aquele que decidirá de uma vez por todas qual será o rumo da minha vida. Um deles vai ligar, sei que vai. A dúvida é uma uma lança estocada no corpo. Será que eles foram, atenderam ao chamado, à provocação intestina? Conhecendo os dois como conheço, não deixarão por menos, decidirão ali mesmo, no encontro, o meu destino.

Agora devem estar, frente a frente, enfurecidos. Já chegaram ao lugar combinado, pelo horário. E eu aqui, de frente para um cinzeiro, uma pilha de bitucas fumegantes, cinza espalhada. Cinzas, talvez fosse a solução virar cinza e sumir, no vento, num sopro. Seria fácil demais e a vida não tem dessas facilidades, não dá para viver a prestação, em doze vezes, não dá pra fazer um rascunho, olhar pela fresta da porta e ver como será. E isso assusta demais... 

Discussão. Briga. Não sei o que esperar disso, dessa minha provocação. São rivais assumidos, declarados e eu, podia me sentir bem com isso, sou o objeto de desejo dos dois, eles me querem. Sou um objeto. Abjeto. Uma mistura de ódio e tristeza me invade, gruda na minha pele. Rescendo arrependimento, sinto nos olhos um ardor de choro. Mas não choro. Eles quiseram assim, mais do que eu.

Passos no corredor. Corro para o olho-mágico para saber quem é. O vizinho da frente, um senhor estranho. Ouve música clássica o dia todo, à noite sai com uma pasta na mão, conversando sozinho, como se conversasse com alguém. Às vezes ri alto com esse alguém, esse fantasma tirado de num túmulo qualquer da existência dele. Tenho arrepios ao vê-lo. E agora não é diferente.

Se acalme, penso, se acalme pois é sobre você e não com você. Sinto um vazio, como um pedaço de terra seca no meio de uma tempestade. Esperando que ela se deite sobre mim, torrencial. Mas ela não chega. Ela não consegue me pegar. Tamborilo na mesa, levanto, faço mais um café. E o telefone não toca.

Levanto para ir ao banheiro quando outro o trinar sujo do telefone antigo. Corro para atender, tremendo, num transtorno ridículo. Então eu digo alô...