Do tombo (ou Considerações Prévias sobre a Maldade)

Vi voarem seus dentes, espalhando-se pelo asfalto quente. Uma queda. Seu vestido rasgado no peito, manchado de sangue formava uma imagem bonita, como uma borboleta vermelha pousada no peito. Ela se retorcia, seu grito mais parecia um guincho de animal acuado, fustigado por tochas e lanças. Um tombo. Lançada no ar ela rodou, rodopiou, circunlevitou e num baque surdo, tum, estabacou-se no chão feito uma jaca, um fruto podre que despenca de altura considerável e se desfarela no chão. Alguém gritara seu nome antes, olhou para trás faceira, brincalhona, e tropeçou em seus próprios pezinhos em sapatinhos boneca, dum preto lustroso que se arranhou inteiro para um cinza sujo, pestilento. Então fez sua trajetória, a elipse de uma queda quase orquestral que, em câmera lenta, poderia ser uma ótima tomada de um filme triste. Mas tudo foi tão rápido, segundo-centésimo-milésimo e voilá, estava ao chão em frangalhos. Seu vestido. Sua boca e metade do rosto como que passados em um grosso ralador de carnes, ela não sentia dor, não se mexia, apenas aparava com as mãos o sangue que cachoeirava dentre os dentes triturados. 
Não a ajudei. Ela precisava disso...