Como virar a câmera no meio de um conto, ou seja, como passar da terceira a primeira pessoa num piscar de olhos e sem forçar a barra? Ingo Schulze, autor alemão, faz isso bem em Eine, Zwei, Noch Eine Geschichte/n (Uma, Duas e Mais uma História(s)). Traduzo livremente um trecho do texto abaixo. Espero que gostem.
"Mais uma História, de Ingo Schulze
Ele não faria mesmo essa viagem de trem se também aos sábados houvesse um vôo direto de Budapeste para Berlim. Ao menos foi o que disse a Katalin K., jornalista húngara que após a entrevista havia oferecido uma ajudinha na compra do bilhete de trem Budapeste-Viena-Budapeste.
Um tipo de estilo protocolar talvez fosse mais adequada à história, uma inflexão objetiva, frases sem narrador em primeira pessoa. O leitor atento logo perceberia que a verdadeira razão da viagem não correspondia necessariamente àquela alegada pelo viajante (um nome surgirá em breve). A sentença "Ao menos foi o que disse" - a ênfase recai sobre o verbo - seria um certo indício para tanto.
É sempre tentador substituir o eu por uma terceira pessoa. Esse terceiro é deixado então um pouco de lado e o acontecido se escreve por si só. Mas nesse caso, não funcionará, ao menos não se chegar a hora da virada, quando nosso viajante estará sentado à frente daquela mulher, com nome de Petra ou Katja, aquela Petra ou Katja que ele chamou de esposa nos anos de sua vida em comum, ou melhor dizendo, de seus laços. Ou me equivoco? Seria mais eficaz, se possível - bem nesse ponto nevrálgico - se abster de qualquer tipo de comentário e observar o Eu de fora (como nosso viajante) e com isso lançar o mesmo olhar no qual também todas as outras personagens estão expostas? Sei não.
Mesmo assim, tentarei falar de mim e de que é tendência da vida imitar a literatura.
Para mim, considerava uma idéia honrosa (que de acordo com humor confundo fácil com horrorosa) seguir para Viena e entregar a Petra o manuscrito da minha história "Entrementes em Petersburgo" no sábado, 25 de abril de 2004, ou seja, no último dia da Feira de Livros de Budapeste, na qual a Alemanha era o país convidado, no qual o "narrador em primeira pessoa" é assaltado (...)"
"Mais uma História, de Ingo Schulze
Ele não faria mesmo essa viagem de trem se também aos sábados houvesse um vôo direto de Budapeste para Berlim. Ao menos foi o que disse a Katalin K., jornalista húngara que após a entrevista havia oferecido uma ajudinha na compra do bilhete de trem Budapeste-Viena-Budapeste.
Um tipo de estilo protocolar talvez fosse mais adequada à história, uma inflexão objetiva, frases sem narrador em primeira pessoa. O leitor atento logo perceberia que a verdadeira razão da viagem não correspondia necessariamente àquela alegada pelo viajante (um nome surgirá em breve). A sentença "Ao menos foi o que disse" - a ênfase recai sobre o verbo - seria um certo indício para tanto.
É sempre tentador substituir o eu por uma terceira pessoa. Esse terceiro é deixado então um pouco de lado e o acontecido se escreve por si só. Mas nesse caso, não funcionará, ao menos não se chegar a hora da virada, quando nosso viajante estará sentado à frente daquela mulher, com nome de Petra ou Katja, aquela Petra ou Katja que ele chamou de esposa nos anos de sua vida em comum, ou melhor dizendo, de seus laços. Ou me equivoco? Seria mais eficaz, se possível - bem nesse ponto nevrálgico - se abster de qualquer tipo de comentário e observar o Eu de fora (como nosso viajante) e com isso lançar o mesmo olhar no qual também todas as outras personagens estão expostas? Sei não.
Mesmo assim, tentarei falar de mim e de que é tendência da vida imitar a literatura.
Para mim, considerava uma idéia honrosa (que de acordo com humor confundo fácil com horrorosa) seguir para Viena e entregar a Petra o manuscrito da minha história "Entrementes em Petersburgo" no sábado, 25 de abril de 2004, ou seja, no último dia da Feira de Livros de Budapeste, na qual a Alemanha era o país convidado, no qual o "narrador em primeira pessoa" é assaltado (...)"
(Publicado originalmente no meu antigo blog, Letras e Vozes)