Descaminhos

Se fosse apenas Tereza, tudo bem, estaria fácil demais. E quando algo se facilita a primeira vista, o melhor de tudo é desconfiar. Iam bem até então, tudo corria às mil maravilhas. Os encontros as escondidas, furtivos, misteriosos, com disfarce que aumentava o tesão, enlouquecia o casal. Mas Paulo tinha outras escapadelas. Aqueles  os jogos de futebol depois das onze da noite, as reuniões intermináveis e até mesmo os inexplicáveis "por aí" que daquela boca carnuda saíam como mel e logo Beth esquecia. Mas Tereza não. E essa foi a sua perdição.

Tereza tinha o controle de tudo, era ciumenta e vingativa. Por trás de seu ar lânguido, quase infame, se escondia uma manipuladora de mão cheia. Apesar de ciumenta, Tereza de boba nada tinha e fazia questão de saber que Paulo tinha um caso de longos anos com Beth e que essa, idiota como sempre desde a época de cursinho, esperava que Paulo a largasse e casasse com Beth, lhe desse filhos, herdeiros da pequena fortuna que Paulo angariou em seus anos de mercado de capitais. Isso só por cima do cadáver de Tereza... e assim foi, ou quase. 
Num domingo à toa, desses em que as moscas ficam muito mais ativas que os humanos, em geral largados em sofás depois do pesado almoço familiar, Paulo não desgrudava do celular. Tereza, em olhares fumegantes, sorria para disfarçar seu incômodo. Beth, a desgraçada, não respeitava nem o dia de repouso. De repente ouviu em um grunhido quase mudo vou sair e já volto. Seu onde você vai? foi ignorado por Paulo e a porta se fechou. Naquele momento Tereza não sabia se urrava de ódio ou se tomava um de seus calmantes. Então ela, a mulher que se percebia traída, mas que até então tinha o domínio da situação se sentiu realmente ultrajada. Não ficaria assim, de jeito nenhum. 


Esperou. Talvez segundos, minutos, quem sabe. Levantou-se, meteu na cara os óculos escuros, pegou seu carro e seguiu Paulo. No seu encalço, como outras vezes fizera, rumou para o caminho já conhecido, de um motel barato nas mediações do centro. Pegaria a mundana a vinte metros do local, como sempre fez às terça e quintas, dias das afamadas reuniões do grupo gerencial da empresa. Mas aos domingos, isso era inadimissível, quebra de regras era o que Tereza mais odiava. 

Porém um movimento estranho, após estacionar, fez a mulher desconfiar que não apenas uma regra havia sido quebrada. Outro carro se emparelhou com o de Paulo, os vidros se abriram e ela pôde ver. E por mais que quisesse, não conseguiu acreditar. Tremia, seus olhos marejados se recusavam a aceitar aquilo, que não era apenas uma regra violada, mas toda uma vida em jogo. O calor que fazia dentro do carro não era aplacado nem pelo ar condicionado, nem pelo frio que abraçava a cidade. Voltou para casa desolada. Em poucos dias, veio a internação. Em seguida, infecção generalizada, último suspiro, morte. 

Os delírios febris de Tereza, em gritos de "dois, eram dois", ecoam até hoje na mente de Paulo que, se desconfia de algo, prefere esquecer. Algo que repousa sob os Instintos da Pele e que somente aí há de se explicar. 

(Inspirado no texto "Certezas demais... " de Laura Fuentes e em "Desenredo " de João Guirmarães Rosa)
(Foto: Olhares - Fotografia On-line )