Não sabia que doeria tanto. Nem que machucaria tanto. Ao abrir o envelope, como quem abre a Caixa de Pandora, tive medo de tudo que havia ali. Entre assombros e calafrios, me descobri perdido. Me redescobri sozinho no mundo e à beira de um trampolim.
Nunca imaginei que a palavra coquetel me daria náuseas, logo eu que adorava uma pequena comemoração com drinks e petiscos. Não sabia que ela também seria minha companheira por anos e que apenas com ela eu contaria. Tive medo da rua, de quem me olharia e diria "aquele ali, ó" e me refugiei do mundo, me tranquei num universo que era apenas meu e de quem eu permitia que se chegasse.
Sobre telefonemas, não gosto nem de comentar. Foram tantos e eu me sentia a própria Ceifadora, arrancando de pessoas queridas, ou nem tão queridas, um pedaço da vida. Ao menos a certeza que ninguém tem, mas todo mundo acha que possui: a da vida eterna.
Até que percebi, num dia chuvoso e sem graça, que a vida só estava começando. Outra vida, mais consciente, mais bem-vivida, menos desperdiçada. A morte estava ali ao meu lado, sempre, e virou companheira de dias de desespero e noites de prazer e felicidade. Apesar de me ditar os limites, a morte também me mostrava a extensão das minhas possibilidades, que se antes eram reduzidas, agora são cada vez maiores.
Retomar o gosto pela vida, sentir o viver insano nas veias, produzir, alegrar, apoiar, buscar. Trilhando esses verbos que para muitos parecem ingênuos, na minha condição os vejo como essenciais, primordiais. Pois minha nova vida, depois da letal letargia da aceitação, é cheia de desafios e aventuras. Ainda gosto de coquetéis, mas com moderação. Ainda tenho minhas transas, agora mais protegidas. Não desisto dos meus sonhos, que podem ser realizados. O que me faz diferente é a certeza de que minha vida não será em vão.
(Este é um depoimento fictício, mas a AIDS é uma verdade no nosso mundo. Hoje é o Dia Mundial da Luta Contra a AIDS. Lembre-se que a vida é o seu mais precioso bem.)