A vizinha e o telescópio

Ela saiu da piscina e o calor extenuante a faz querer voltar. Num dia quente desses, precisava mesmo de um banho de piscina para resfriar seu corpo em chamas, sempre voluptuoso. Seu moreno se acentuou nessa manhã, os cachos dos cabelos torneavam suas costas quase nuas, senão pelo estreito fio de seu biquíni. Olhou para os lados e não viu o moço na janela, arrumou os seios dentro do bojo e os bicos pontudos pelo ventinho que bateu endureceram. Seu sorriso tinha uma harmonia angelical, porém seu corpo talhado estava do jeitinho que o diabo gosta: em minúsculo traje, orvalhado e insinuante. Ele repetia “Que sucesso” sem parar ao olhar a vizinha estonteante. Enquanto seu filho tomava o biotônico dado pela babá ele pensava apenas em sacanagem, no que faria se tivesse aquela vizinha nas mãos, naquele momento. Teria ganhado na loteria, mas já ganhara o dia vendo aquele monumento numa seminudez caprichada. Uma pena que o bloco no qual ela morava estava a uma distância na qual ele, já míope, não enxergaria se ela ousasse (como sempre ousava) se trocar de janela aberta. Lembrou do telescópio de brinquedo do filho, correu para o armário e nem se preocupou quando ouviu a babá gritando para o filho não subir na janela. Jogou os crocodilos de plástico no chão, junto com o Sr. Cabeça-de-Batata e o Batman que estavam a frente do brinquedo que o faria feliz naquela tarde. 
Quando ela chegou ao quarto, ainda molhada pelo suor, uma dúvida lhe veio à cabeça. Interrogação que seria respondida quando ela olhasse para o bloco ao lado: será que o vizinho está de olho aqui? Seria tão bom...
(Publicado originalmente em Letras e Vozes. Exercício proposto por Júlio Carvalho, nas oficinas de férias do Curso de Formação de Escritores: fazer um texto com as seguintes palavras, em ordem: piscina, voltar, harmonia, sucesso, biotônico, sacanagem, telescópio, crocodilos, interrogação)