E no oitavo dia...

A ficção de Nelson de Oliveira não é o samba de uma nota só, bem ao contrário: nos pega de surpresa, por mais avisados que estejamos (...)
Paulo Betancur, Jornal Rascunho

Como é que ele consegue? Essa foi a pergunta que nos fizemos, Laura Fuentes e eu, depois de lermos O oitavo dia da semana (Travessa dos Editores), do amigo e professor Nelson de Oliveira. Incrivelmente acabamos no mesmo dia e por isso acho que esse livro tem algo de místico. Começa pelo nome, que se explica com um pequeno conto "infantil" no início do livro, passa pelas duas dimensões do livro (os trechos iniciais e finais tem páginas pretas e letras brancas, designadas com A. e B., projeto gráfico de Paulo Sandrini) e adentra  a história pelo lado "claro" do livro.

A história se passa em uma São Paulo monstrolópole e é protagonizada pela abastada família Levi, de um lado, e por alguns moradores do Edifício Antares, um cortiço na periferia paulista, de outro. Ou todos do mesmo lado, quem sabe? Em 11 capítulos de diversos tamanhos travamos contato com André, Rodolfo e Vera, os três irmãos Levi que abdicam de sua vida de luxo para viver na periferia, onde encontram Vavá e Matilda, dois pobres-diabos que sofrem sua vida nos escombros do Antares. Também nos  deparamos com Marília, a filha dos Levi com síndrome de down, e seus gatos Omar e Iara, com os quais Marília tem muitas conversas. Além dos pais desses rebentos rebeldes, Barbosa e Mariana. Entremeando a vida desses personagens, Nelson consegue do início ao fim do livro de fôlego (296 páginas) prender a atenção, seja na ação, na descrição ou na sua linguagem, ora polida e bem humorada, ora cáustica, irônica e sem pudores. Entre metáforas da iniqüidade humana e do declínio dos credos religiosos também há pontas de esperança, arestas de luz que se acendem em pontos esparsos do fado humano que Nelson consegue retratar, desconstruindo a olhos vistos seus personagens, a medida que os reconstrói aos nossos olhos, mais imperfeitos, mais humanos. Consciente de cada palavra, Nelson tece o que há de mais humano nessa vida tão linda, tão abjeta.


Quem conhece pessoalmente Nelson de Oliveira, sua serenidade no falar e seu jeito quase sem-jeito, tímido de conversar, não imagina o que suas páginas sempre reservam. Surpreendente, como realmente um samba de uma nota só não consegue ser. Vale a pena!