Viúva

Olhos de bandeira a meio pau espreitam o movimento do bar. São verdes esse olhos, um lago soterrado por pálpebras maliciosas, pequenas gueixas que se curvam para conquistar. Com os braços sobre o balcão e um copo suado a sua frente, vasculha os desejos que pululam entre risinhos, gargalhadas e goles ávidos. Ombros à mostra, conhece seu poder de femme fatale, porém suas calças jeans coladíssimas e surradas desconstróem a delicadeza da expressão. Molha devagar o lábio no dourado translúcido da cerveja que espuma tímida por entre seus dentes sujos de batom.
Do outro lado, há muito, ele a observava com olhos gatunos, gaiatos. No fundo tinha medo, pois a paixão o laçara repentina, mas todos sabem que não se pode dar bandeira. Queria aquela mulher e faria revoluçõs para conseguir um beijo que fosse. Olhares cruzados, conversas puxadas, risadas e tudo estava encaminhado. Havia descoberto, entre tantos bares e muitos copos vazios, uma mulher com o viço que buscava em vão nas garotinhas, um sabor que apenas as mulheres maduras possuem. Comer essa mulher não era uma questão de honra, mas da necessidade que seu corpo sentia daquelas ancas, peitos, pernas...
Dançaram colados, peito e seios se roçavam e vibravam pela gana de sentir a pele nua, suada. Beijavam-se sôfregos, tomando cuidado para não sussurrar o desejado, mas aqueles beijos delatavam que naquele instante já havia uma trilha pronta para o amor surgir. Ele cuidava para não abusar de sua força ou da libido, ela se segurava para não parecer fácil demais, mesmo com a absoluta certeza de que aquele homem seria para sempre dela, que a procura insana havia acabado e agora só bastava tê-lo ao seu lado.


Foi quando veio o convite: vamos para minha casa?


De bolsa na mão, ela seguiu de mãos dadas com ele para a porta do bar. Não percebiam nada a sua volta, nenhum movimento, nenhum som. Como num filme triste, apenas os dois apareciam no primeiro plano do seu querer, a câmera enquadrava os sorrisos sinceros, apesar de não serem tão belos. Foi quando ele se curvou, num urro. Ela apenas teve tempo de beijá-lo mais uma vez, em seus lábios já frios. Certeiro, vindo da imensa briga que estourava do outro lado da rua, aquele tiro lhe acalmou o coração. Ela apenas teve tempo de beijá-lo mais uma vez e dizer aquilo que não havia dito a ninguém até aquele momento...


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Imagem: A vida é.