Egon Schiele, Mulher sentada com a perna esquerda dobrada (Edith Schiele), 1917
Antes de ser atropelada, Leila teve um dia normal, daqueles dias quentes de janeiro nos quais a chuva nos surpreende no meio da alegria de um belo dia de sol e, como em todos os dias de sua rotina, parou por cinco minutos na pequena padaria ao lado do trabalho para tomar um suco de laranja e comer um pão de queijo, pois já previa uma longa jornada até chegar em casa depois da chuva que congestionaria todas as ruas de São Paulo, até as ruas sem saída.
Quase seis da tarde, horário de saída do trabalho, Leila havia discutido com seu chefe, respirado e contado até dez para não mandar tudo às favas, precisava daquele emprego para alimentar seu filho de quatro anos e pagar suas contas. Não era o emprego que pedia a Deus, mas ao menos dava para ir à manicure duas vezes ao mês e ainda levar seu pequeno para passear nos fins de semana. Sabia que precisava estudar, sabia que precisava mudar algo em sua vida e não sabia como fazer isso. Sua mãe lhe dizia para estudar, acabar a faculdade de enfermagem que havia interrompido com a gravidez.
Ao meio dia daquele dia no qual foi atropelada, quebrou as pernas e teve o pulso fraturado, Leila almoçara no pequeno e aconchegante restaurante que ficava a menos de cem metros do escritório, ao lado de uma banca de jornal que exibia revistas de mulheres nuas cobertas com folhas cortadas de forma irregular, cobrindo seios e vaginas à mostra. Comera arroz, feijão, carne cozida, alface e beterraba, tomou um cafezinho e voltou ao trabalho para fazer as mesmas ligações para os mesmos clientes e preencher os mesmos formulários de todos os dias.
Às seis da manhã do dia do acidente, Leila acordou sobressaltada por um sonho ruim, mas ela não se lembrava do pesadelo. Quando se levantou, depois de beijar seu filho que ressonava tranqüilo, percebeu que o tempo estava nublado então pegou seu guarda-chuva, deixou ao lado da carteira, mas o esqueceu sobre a mesa. Às oito da manhã, quando passava pelo viaduto do Chá para chegar até o escritório, nas mediações da praça do Patriarca, foi parada por uma mulher de vestido verde com babados azulados, os dentes fediam à podridão e seus olhos eram baços como se tivessem catarata. Disse que a vida da moça iria mudar muito e que era para ela estar preparada. Limpando as mãos na calça jeans, Leila sorriu, pensando em sua vida sempre igual. E não acreditou no presságio da velha senhora...
Reprodução do quadro em Germina Literatura.