Às vezes a gente se impressiona


Há pouco acabei de ler um livrinho chamado A vida é sempre assim às vezes (Editora Arte Escrita), do jornalista e professor Wladyr Nader. Não se guie pela palavra livrinho, pois a usei somente porque é um livro de dimensões pequenas, mas de conteúdo impressionante. O mote da história não surpreende tanto: um desempregado nas décadas de 60/70, casado e com duas filhas, consegue um emprego numa fundação que tem como objetivo articular frentes do partido da posição na época para não perder terreno nesses Brasis desde sempre desencantados. Porém, surge uma trama de amores platônicos, intrigas políticas com um pano de fundo bastante comentado, mas nunca aprofundado, que é nossa época de chumbo. No livro tudo é velado, uma visão provavelmente de quem viu de perto e sofreu com a repressão da ditadura.
Capítulos curtíssimos dão um ritmo surpreendente à história aparentemente comum e a visão de mundo daquela personagem é agudíssima, revelando a máscara que ele também carregava na vida, de homem humilde e sem muita instrução. Funcionário exemplar para a fundação, visado por muitos, mas que não se entrega, apenas segue as ordens e garante o seu. A vida de verdade, corrompida de verdade até as últimas consequências.
E a sucessão de fatos históricos que entremeiam a narrativa a transformam em um retrato de uma época tão marcante para todos nós, até mesmo quando são relatos do cotidiano de uma família de classe média baixa daquela época. Luis batalha o pão, com ajuda de Rosário e sua venda de perfumes e a felicidade da família de margarina às vezes surge para mostrar que apesar de cruel, a vida às vezes passa mel em nossos lábios para que possamos continuar a batalha. E depois de acompanhar como Luis ultrapassa os percalços de uma vida de verdades rasgadas e mentiras necessárias, a narrativa cai em um vórtice de confusões e desencontros que fortalece o título dessa resenha: às vezes a gente se impressiona. Vale a pena.


PS.: O livro é distribuído pela Expressão Popular, na rua Abolição, 197, Centro, São Paulo. Telefone: 3105-9500.