O delicado essencial

Por vezes o céu se rasga destemperado, deixando encharcados os corpos em marcha e as ruas e os carros. Rasga-se como um imenso chuveiro frio sobre os ânimos desentendidos da cidade e faz uma bruma leve subir do asfalto morno, uma névoa fina que se desfaz nas rodas dos automóveis apressados. O rapaz olha para os lados, desesperançado com seus cabelos escorrendo a água daquela chuvarada surpresa, a camisa cola incômoda em seu peito e ele chora algo que se lembra naquele instante. Um corpo quente e firme numa cama desarrumada com um gosto que será difícil esquecer. Acaba de sair do metrô, quase fugido, e encara aquela grande avenida, com cemitério e hospitais, e não sabe para onde ir, por onde seguir com o peso de sua roupa molhada e de seus olhos inchados. Sente nas suas mãos ainda o hálito morno antes do beijo e os lábios e novamente o ar quente do ofegar. Foi especial, naquele tempo que durou, não sabia quanto, um mês, dez anos, quinze minutos, não importa, pois ninguém esperava que acabasse. Por mais que soubesse que tudo, infelizmente tudo na vida tem um fim, nunca soubera naquele tempo o que foi início ou meio. Pois sempre houve aquela vontade de uma hora, um dia, uma semana a mais. Um desejo que não arrefecerá com a chuva que se lança incansável sobre o rosto do rapaz e mancha sua visão com pequenos pingos reluzentes entre os cílios tão compridos. O sinal de trânsito abre, mas ele desiste de atravessar. Pois precisa voltar, nem que seja apenas para confirmar o último adeus.