Diálogos IV


Saída de faculdade, a fuzarca se instala no ar. Patricinhas e mauricinhos em suas vestimentas características, ostentando seus celulares para ligar aos pais-choferes, ou aos choferes em si, estudantes-trabalhadores que rumam aos pontos de ônibus e estações de metrô, catracas estralando, cadernos e livros, cervejas, os bichos-grilo, os nerds em seus óculos fundo de garrafa, as hordas de futuros engenheiros, advogados, professores, vendedores de cachorro-quente e afins que inundam a rua nessa hora. E os ônibus fretados, que levam e trazem pessoas a grandes distâncias e reúnem os tipos mais peculiares: os que dormem, os que falam demais, os que ouvem música no último volume, os que tentam ler, os que bebem, os que paqueram, sem, claro, abandonar o clima de harmonia e diversão.
- Ô cabeção, sai da frente que eu tô conversando com a gatinha.
- Quem? - e toma uma bolinha de papel na cabeça.
- Ai, gentê, quem jogou isso aqui no meu colo? - reclama a mini-executiva, secretária no seu tailleur, cursando psicologia.
- Olha a zona aê, caralho, deixa eu dormir - reclama o gordinho que acabara de comer um lanche e se preparava para cochilar, pois era quase o último a descer.
De repente, um cheiro estranho paira no ar. Sim, flatulências, vulgos peidos, começam a empestear o ônibus. As caretas começam a brotar, narizes se movem irritados, olhos lacrimejam.
- Porra, bomba de ovo isso hein?
- Catzo, ninguém merece. Foi você, gordô?
- Olha, vocês sabem que eu falo quando faço. Não vem não.
- Aaaaaaaai, gentê, vocês não têm educação, não?
O único a não se manifestar era Eufrásio. Menino do interior, mas não tão interior de São Paulo, não tinha muitos amigos, mas os pouco que tinha estavam ali. Ele tentava de qualquer forma esconder o fato, fingiu que não era com ele. Resolveram seguir o futum para encontrar o culpado e dar rosas pra ele comer. Claro, já havia virado gozação e festa aquela caça ao peidorreiro.
- Eufrásio!
- Eu?!? - disse o moço, assustadiço, se acusando.
- Pótaqueoparéu, hein Eufrásio. Que você comeu, rapá?
- Gente, nada... é que...
Eufrásio estava cheio de problemas. Sem emprego, dinheiro acabando, namoro terminado. Alguns diziam que foi pela falta de iniciativa dele. Outros que foi por excesso de flatulências no relacionamento.
- Olha - disse com olhos marejados - eu tô cheio de problemas, minha vida tá um caco, se eu não puder peidar na frente dos meus amigos, na frente de quem vou peidar?
Silêncio. Os amigos se olham. Sorriem amarelo. Cochicham por um minuto, enquanto Eufrásio limpa as lágrimas do seu óculos. Então:
- Ah, Eufrásio, pode peidar então. - disse o surfistinha.
- Nem estava tão fedido, viu... - disse o engenheiro.
- É, fedido estava, mas você é nosso amigo. - disse a secretária da psico.
- Valeu, hein Eufrásio. Dá próxima vez a gente faz uma competição.... - disse o gordinho.
- Não senhor! - disseram todos os outros, de uma vez só. E caíram na gargalhada.