A nova geração entre muralhas

Semana passada li uma matéria naquele jornal ÃO que me deixou bastante intrigado: o impacto dos condomínios fechados na cidade. Eu, que posso me considerar um ser urbano, pois nunca morei fora de uma grande cidade (apesar de o bairro onde eu morava ser próximo a uma grande reserva ambiental paulistana e ter um dos ares mais puros do Estado), vejo com tristeza o rumo que todas as cidades grandes vão tomar quando a moda do condomínio fechado realmente pegar. De acordo com a estudiosa da tal matéria, existe um aumento da mancha urbana, ou seja, a metrópole começa a crescer de forma a engolir o seu arredor, mas de forma diversa do que em geral ocorre, com a proliferação das favelas. Agora o que se prolifera são os condomínios fechados, as fortalezas nas quais os pais pensam (muitas vezes erroneamente) que estão protegendo seus rebentos do mal que assola o mundo 'lá fora'. Daí já temos implicações social, psicológica, ambiental e infra-estrutural, das quais discorro na minha visão de morador da grande cidade, de observador de fenômenos maiores ou menores da metrópole e de ser humano que sou ainda. Tudo com base no que a dona moça falou e que eu, de certa forma, já havia sentido em visitas a casas de amigos em condomínios fechados.
O mundo 'lá fora' nada mais é o mundo real, aquele mundo no qual somos colocados para vivenciar diversas experiências, boas ou ruins, para crescer, amadurecer, aprender e apreender o que nos cerca. Claro, hoje em dia a violência nos ronda como cachorro magro, cerca nossas possibilidades de diversão. Porém, sempre houve e sempre haverá a tal violência e a maneira que acredito ser saudável e viver com essa constante, sem dar sopa para o azar. Porém, trancar-se em um condomínio fechado dá a (falsa) impressão de segurança, de distância do pandemônio que é a cidade (pois esses condomínios localizam-se em geral nas cercanias da cidade). Ledo engano, caros papais e mamães, a violência hoje é delivery, vai até sua casa, sua rua arborizada, penetra em suas muralhas e passa por suas guaritas com a mesma facilidade que o faria aqui, no centrão. Vemos isso pelos assaltos, arrastões, limpas e drogas que entram e saem dos condomínios com relativa facilidade.
O condomínio gera nas classes mais baixas dois sentimentos: impotência e desejo de aquisição. De olho no mercado aquecido, muitas empreiteiras começam empreendimentos de custo mais baixo, trazendo a classe média para o condomínio fechado, deixando seus quase pares (a classe média-baixa e baixa) com um sentimento de distância maior, gerando quase um apartheid imobiliário. Formamos uma cidade de muralhas, guaritas, cidadelas dentro da grande metrópole, aumentando o medo do lado de lá e botando lenha em uma fogueira muito perigosa, que é a desigualdade social cada vez maior.

E não é só isso, pois o meio ambiente sofre com o aumento da mancha urbana (espraiamento da mancha urbana, de acordo com a estudiosa), pois as áreas onde há reservas e mais árvores etc. são cada vez mais transformadas em espaços para condomínios e seus muros. Além disso, como os condomínios se localizam em áreas mais afastadas da grande metrópole (cidades próximas ao grande centro), os automóveis são muito mais utilizados do que antes, aumentando a emissão de gases nocivos para o meio ambiente. No Brasil já existem estudos que imputam responsabilidade pela poluição sempre crescente à tendência de se morar em condomínios. Duas coisas que não estão tããããão distantes.
E o custo de tudo isso? Reflexo direto sentimos nos impostos, em especial para quem mora nas pequenas cidades que abrigam os condomínios visando um aumento na receita da cidade. O problema é que toda uma infra-estrutura necessária para suprir as necessidades (que não são poucas) desses condomínios é aplicada, às vezes sendo desviada de quem realmente precisa. Além disso, já ficou comprovado que o loteamento de muitas dessas áreas não é regular, tem aval provisório da cidade ou do Estado, ou apenas entra pro rol do propinato.

E a proposta pra melhorar, qual é? Melhorar a segurança, aumentar a educação para tirar das ruas as crianças em situação de rua ou de risco, além de outras medidas as quais estamos exauridos de gritar ao léu: melhor distribuição de renda e terras, prisão de corruptos, redução dos impostos e afins. Parece que é muito mais fácil as muralhas se erguerem cada vez mais do que tudo o que é necessário ser feito. E infelizmente criaremos uma geração com medo "do outro lado do muro".