Odores

(Essa foi a edição que li, há mais ou menos 13 anos)

Não sei como ainda não comentei aqui sobre um livro que adoro chamado O Perfume, do alemão Patrick Süsskind, pois esse livro foi o primeiro romance sério que li no final da adolescência, por volta dos 17 anos e que me despertou o gosto real pela leitura. Em geral as pessoas têm a descoberta da leitura com Monteiro Lobato e afins, mas minha descoberta real da leitura foi mais tarde (claro, depois da Coleção Vagalume) e com um fato no mínimo interessante.

Eu estudava numa escola estadual aqui em São Paulo, no período noturno. Não era como as escolas públicas em período noturno hoje, que o professor precisa entrar com colete a prova de balas e capacete, não havia a violência e o descaso de hoje, estudávamos e precisávamos estudar para passar de ano e o respeito ao professor ainda existia. E um belo dia, ao entrar no Gomide (nome da escola) com meu perfume novo (que o sem-noção aqui havia tomado banho) chamado Conexxion, da Boticário, fui sumariamente julgado: maconheiro. Estava realmente forte o perfume e ele tem mesmo um cheiro de ervas... mas acho que a quantidade de perfume, meus ferormônios e a maldade do povo fez com que o assunto crescesse. Tanto que uma colega de classe (essa sim, maconheira) me procurou morrendo de rir (o que não era novidade para ela) dizendo:

- Cara, não agüento esse povo. Tão falando que você tá fumando maconha. Eu dei muita risada, você é o mais CDF, nem cigarro fuma, agora virou maconheiro, piada do ano.

Fiquei horrorizado. No auge dos meus quase 17 anos eu havia sido confundido com um maconheiro. Que horror. Mal sabia eu que alguns anos depois eu experimentaria a erva danada e até gostaria, mas descurtiria dela pelas limitações que ela me impunha (eu sempre perdia o melhor da festa, começava a rir e em 10 minutos estava dormindo como um anjo). Mas naquela época para mim era uma coisa impensável, eu totalmente geração saúde, academia, dança e afins, ser confundido com um marijuanero. Fui tirar satisfação e cheguei até a bibliotecária, mulher estranha e deveras linguaruda. Eu havia entrado na biblioteca para devolver alguns livros que precisei para um trabalho, ela sentiu o cheiro, falou para o inspetor que passou para o diretor, que já rondava minha sala. Emputecido, rumei à biblioteca e:

- Olá - disse, cínico - queria uma indicação de um bom livro pra ler no fim de semana.
- Ah, claro - disse ela, desconfiada - tenho esse que acabei de ler, muito bom, O Perfume.
- Ah, por falar em perfume, você gostou do meu perfume novo? - falei, já bufando de ódio. E ela:
- Olha, é um perfume...
- Sim. E eu gostaria que você fosse um pouco mais discreta nos seus comentários...

Daí o pau comeu, eu fui pra diretoria, fiz um barraco básico, com direito a "vamos pra delegacia agora, mas se eu não tiver nada de maconha no meu sangue essa escola vai me pagar caro" e coisas de adolescente revoltadinho. No fim das contas, com uma retratação por parte da bibliotecária em nome da escola, sosseguei e pude ler o livro tranqüilamente.

E adorei o livro, muito.

Conta a história de Grenouille, um rapaz que, apesar de ter um olfato privilegiado, não possui cheiro algum. No século XVIII, em Paris, ele se destaca pela sua ânsia por conseguir o perfume perfeito, aquele com o qual ele faria o mundo se curvar aos seus pés. E não mede esforços para tanto. Há pouco tempo o livro foi transformado em filme, do Tom Tykwer, o mesmo diretor de Corra, Lola, Corra. Dizem ser muito bom (o Alberto do Zapping News recomenda). Eu ainda não assisti, mas o livro já li umas 5 vezes, tantas vezes que já tive o tal livro e fui surrupiado. E não canso de relê-lo, pois ele me apresentou a beleza da literatura. Lançado em 1985, vendeu mais de 15 milhões de exemplares em mais de 40 línguas e foi considerado o livro da década de 80 na Alemanha. Recomendo para quem acredita que os perfumes são apenas "coisa de perfumaria".

(Cartaz do filme)



PS.: Engraçado o que me veio a cabeça agora: meu primeiro livro de verdade foi escrito por um alemão. Estava escrito nas estrelas minha paixão pelo idioma tedesco, não?