Adônis morreu II

Adônis nasceu em uma pequena cidade do interior de São Paulo, família de algumas posses, mas nada de extraordinário. Seu pai, seu Amálio, delegado dessa cidadezinha, pouco trabalhava naquele pacato lugarejo, com suas casinhas simples com amplos quintais de um lado da cidade, e as casas maiores do outro lado. Adônis residia na metade do caminho entre esses dois lados da cidadezinha, tanto literalmente como no sentido figurado, pois poderia se considerar mais rico que um lado, mas bem mais pobre que o lado que o outro. A mãe, dona Darci, prendas do lar e costureira nas horas vagas, amava o filho do meio como ninguém. Era filho do meio e tinha dois irmãos: Adelmo, mais velho, e Ademira, mais nova. E vivia feliz sua infância, jogando bola de gude, peão, empinando a "capuxeta", uma folha de papel dobrada quatro vezes e que, amarrada em cada lado por uma linha, se transformava num pequeno planador. Às vezes jogava amarelinha com sua irmã, mas escondido dos meninos da rua, pois não gostaria de virar alvo de chacotas. Era estudioso e bastante delicado e educado em suas relações, o que lhe causou alguns problemas durante os primeiros anos de escola.

No início da adolescência, porém, Adônis se transformou. De aluno delicado transformou-se em pequeno delinqüente. O pai, delegado, não sabia de onde vinha a tal irrascibilidade do filho. A mãe orava ininterruptamente defronte à imagem de Nossa Senhora da Aparecida, além de fazer simpatia para acalmar o filho. O diálogo era algo impossível de se pensar com Adônis, que estava cada vez mais violento. Um psicólogo amigo de longa data da família de Darci, explicou que na adolescência isso era normal, mas, caso continuasse, teriam que tomar providências no mínimo drásticas. Porém, não sabiam eles que as notas de Adônis estavam cada vez maiores na escola, que ainda era um aluno deveras estudioso, apesar de toda rebeldia em suas roupas e ações. Seu Amálio tomou a única descisão séria que estava ao seu alcance: cortou a mesada de Adônis. Assim, o rapazote conseguiu seu primeiro emprego como contínuo de uma pequena fábrica de carcaças de máquinas para refrigerante de uma grande rede de restaurantes. E lá teve início a carreira mais do que previsível de Adônis.

Fazia de tudo um pouco: carimbava e selava correspondências, levava no correio, datilografava pedidos de compra para os departamentos responsáveis, cuidava da organização do departamento. Seu chefe portava uma barriga digna de chefe de seção, arredondada, preenchendo a camisa listrada, que de certa forma combinava com seu bigode rajado com fios esbranquiçados. Gostava de sair para o correio, pois aproveitava para saber das novidades do mundo na banca do seu Correia, jornaleiro e fofoqueiro de plantão. Certa tarde ensolarada de outubro, numa parada na banca de jornais, Adônis recebeu uma notícia de um fato que lhe pareceu inofensivo, mas que mudaria sua vida a partir dali:

"Mudou-se uma família para cá, de uma cidade vizinha. Parecem ter algum dinheiro, chegaram num carro bonito. Pai, mãe, filha adolescente e cachorro."

Filha adolescente, pensou Adônis. Informou-se para onde se mudariam, e por sorte era caminho da sua casa até o ginásio de esportes, no lado rico da cidade. Naquela tarde tentaria ao menos avistar a menina e avaliar se era diferente das meninas da cidade, que pouco tinham a oferecer.

Ao sair do trabalho, o jovenzinho apenas passou em casa correndo, comeu uma banana, deixou as coisas em seu quarto e rumou para o ginásio. Ao chegar próximo da casa que o seu Correia havia lhe indicado, Adônis diminuiu o ritmo e passou bastante devagar, quase distraído. Seus passos eram firmes, apesar de sua cabeça estar bastante longe, nas estrelas-mirins dos seriados adolescentes da sua época. Não contava, porém, que no portão da nova família esbarraria em uma surpresa nada agradável...

(Continua)