Adônis morreu III

"Que bosta" resmungou Adônis, raspando o pé na calçada.

"Me perdoe" uma voz saía detrás do portão de madeira "o Snoopy não tem jeito, faz as coisas onde bem entende. Me perdoe pelo meu cão".

Como num seriado, surgiu a sua frente sua estrela-mirim: Miriam. A menina de olhos verdes-amendoados e sorriso muito branco saiu aflita em socorro ao rapaz de pés sujos de merda de cachorro. Ficou tão abobado que esqueceu de sua bota melecada e disse:

"Oi, sou Adônis. Não se preocupe, cachorros cagam mesmo."

Antes que pudesse tapar a própria boca, Adônis viu Miriam enrubescer. Se arrependera do seu linguajar chulo de rapaz rebelde. A menina, desconcertada, estende a mão para Adônis que rapidamente toma a mão de Miriam como se sua vida dependesse disso:

"Sou Miriam. Você é daqui mesmo..."

E começaram a conversar. E conversaram até a noitinha cair e a mãe de Miriam, dona Madalena, chamá-la para entrar, pois o jantar estava servido. Miriam convidou Adônis, que declinou amável, mas dando a certeza que um dia experimentaria a deliciosa comida de dona Madalena.

E assim as vidas de Adônis e Miriam se cruzaram. Ela, menina de certas posses, mas não rica, estabelecida numa cidade bem menor que a sua, mas feliz por começar uma nova vida. Pura, mas impetuosa, Miriam era bonita, mas sem aquela beleza extravagante, de parar o trânsito. Mignon, cuidava-se bastante e também lia e se informava bastante. Ele, rapaz que perdera o ímpeto para a rebeldia por conta dos olhos amendoados de Miriam, começara a trabalhar mais, a ser mais gentil em todos os lugares, até pedia licença para sentar à mesa de jantar de sua própria casa. Os pais dele agradeciam todos os dias por Madalena ter aparecido e os pais dela viam nesse namoro um bom futuro. Porém, um bom futuro não estava reservado para eles naquela pequena cidade. Logo, os horizontes do lugarejo ficaram pequenos para as ambições de Adônis e para as vontades de Miriam.

(Continua)