Boys don't cry

Na moldura de fumaça vejo rostos suados e cansados. São seis da tarde, horário de Brasília, a hora em que tudo parece acontecer. Os carros são vomitados por garagens lotadas e se lançam à rua com ânsia de correr. Porém, o ritmo acelera-breca-acelera entre um farol vermelho e outro verde impacientam os motoristas já desesperados. Não há espaço para andar na calçada, tomada pelos corpos e bolsas e pastas e cigarros e bonés e colares e óculos, além das banquinhas com DVDs piratas, livros ensebados, perfumes baratos, cigarros contrabandeados e cachorros e bosta de cachorros e sacos de lixo.
Perâmbulam nesse estreitamento de almas perdidas os ladrões, os assassinos e os maníacos, os depressivos e os alienados, despercebidos, enfumaçados pela tristeza o cinza dominante. Cores, nas TVs instaladas nos botecos e nos belos restaurantes as luzes soturnas tentar dar à visão um ar de encanto. Ou diversão e pão ao povo. Perâmbular por essas ruas e encontrar beleza torna-se cada vez mais difícil. Calçadas são destruídas e renovadas para serem novamente destruídas, como o fio de Ariadne, num tricotar insano com as betoneiras e as britadeiras.
Em meio a todo o caos está um garoto, com uns 18 anos. Sua pele, dum moreno cor de cobre, reluz sob a luz do poste que acaba de se acender. Seus olhos, muito negros, são duas graúnas que revoam em busca de abrigo dentre a confusão que tem a sua frente. Mesmo assim, ele não se apressa, segue seu passo ritmado, ininterrupto, rua a cima. Sua camiseta justa e curta delineia músculos incipientes, de quem ainda cresce a passos largos e seu cabelo muito liso esvoaça a cada ônibus que desembesta após engolir dezenas de pessoas. Lábios crispados, vermelhos, preocupados, não deixam que seus dentes amarelados de cigarro se exponham facilmente. Na frente de um bar até limpo, posta-se diante do balcão que exibe seus salgados frios e seus pães de queijo murchos. Fala algo para o atendente, que logo se abaixa e lhe passa um copo com água, gélido, suado. Ele verte em grandes goladas o líquido transparente, rejuvenescedor, e deixa o bar. Agora seus olhos, antes graúnas perdidas, são panteras à espreita. Continua seu caminho, seu destino é apenas um. Recosta-se a uma árvore, olha para os dois lados e deixa luzir seu primeiro sorriso do dia. Que só se apagará ao raiar da próxima manhã.