Joana

Ao voltar para casa, após uma longa e entretida caminhada com o professor Gabriel, entramos no metrô Clínicas, num papo animado. O professor iria para o metrô, eu, como moro há pouco mais de 20 minutos dali, resolvi tomar um ônibus. Porém, não estava sozinho. Estava com Joana.

Nessa entrada do metrô, Joana me aguardava. Sim, não há outra explicação. Revoou pela cabeça de um casal feliz que entrava antes de se grudar, literalmente, nas minhas pernas. Melhor dizendo, no meu quadril, bem no bolso da calça jeans. Gabriel olhou para Joana, olhou para mim e disse: "Isso dá crônica". Olhei assustado para ela, mas não tomei nenhuma atitude drástica. Pelo contrário, deixei Joana pousada, tranqüilamente, com suas finas patinhas e suas asas coloridas. Sua capa preta poderia esconder algo de maléfico, como acreditavam os mais velhos. Mas o azul e o amarelo ouro do fundo de suas asinhas davam um ar de graça àquele ser rajado.

Me despedi de Gabriel e subi as escadarias do metrô, em direção ao ponto de ônibus. Óbvio que, nessa altura do campeonato, a borboleta já teria voado. Ledo engano. Joana estava lá, impassível, de braços, ou asas, abertas para quem quisesse ver. Muitos olhares me estranharam no caminho, pensando que aquele era um adorno. E eu, ainda maravilhado com a garra de Joana, presa em meu bolso como se a vida dela dependesse daquela trama de fios azuis.

Resolvi subir em um ônibus, afinal não andaria até em casa. A ponte que passa sobre o início da avenida Rebouças não é nenhum lindo boulevard iluminado às 23h00, muito pelo contrário, é um prato cheio para a bandidagem paulistana. Fui até a frente do Hospital das Clínicas e peguei o primeiro ônibus que me deixaria perto de casa, já imaginando a confusão que Joana causaria nos passageiros caso ela resolvesse se desprender de mim e pousar num ombro ou em um cabelo, e o que não faltou foi oportunidade. Passei com o maior cuidado do mundo pela catraca, o cobrador não entendeu muita coisa, e não era para entender mesmo, já que àquela hora ninguém atinava certo mais nada, fosse pelo cansaço, fosse pela bebedeira. Enfrentei com olhares furiosos um fulano que começou a clamar "Ai meu Deus, ai meu Deus", com um riso de deboche na minha direção, como se a borboleta fosse um enfeite da minha calça. Realmente, com o meu tamanho, borboletas na vestimenta não caem muito bem. Porém, era a Joana que eu defendia, ao seu direito de estar ali.

Desci do ônibus, Joana firme, eu incrédulo. Atravessei correndo a Consolação, sem olhar, para ver se ela se desgrudava de mim e se lançava num belo vôo. Passos firmes para a casa, pensei eu, passos firmes. Quando olhei, estava lá Joana, com as asas em riste, como um leme que conduzia aquele grande barco chamado Peterso. No meio da rua Dona Antônia de Queiroz tentei pegá-la nas mãos, talvez lhe faltasse impulso para voar. Que nada, deu um rodopio em volta da minha perna e grudou-se, novamente, à minha panturrilha. Então desisti de soltá-la, fomos eu e Joana para casa.

O incrédulo porteiro Adailton ficou admirado com minha companheira de viagem. Joana se mantinha firme, nem mexia suas asas. Peguei-a nos dedos, carinhoso, vi suas cores com cuidado. Ela bateu com força suas asinhas, mas me pareceu mais alegria que uma tentativa de fuga. Nessa passagem pela portaria, ganhei um palpite para o jogo do bicho, 516, 615, centena, do primeiro ao quinto. Subi com outro morador no elevador, que me olhou como se eu fosse maluco, pois eu já conversava com a borboletinha. No terceiro andar nos despedimos do intruso daquele momento, para mim, único: estar na companhia voluntária e infinita de uma borboleta.

Entrei em casa, como todos os dias, liguei meu computador, pois precisava espalhar ao mundo que eu tinha uma borboleta, ou melhor, ela havia me pegado em cheio. Dei-lhe o nome, Joana, o mais simpático que pensei. Coloquei-a numa planta pequena, para ela se ambientar e comecei meu roteiro entre blogs e amigos virtuais. Quando ouço um estalo, forte, quase um estampido. Joana, onde está você? Caída, imóvel, ao lado dos livros de tradução. Tentei reanimá-la, mexer em suas asas. Talvez Joana apenas precisasse de companhia para suas últimas horas aqui conosco. Talvez o azul fosse a noção que ela possuía de céu, de Paraíso. Talvez ela tenha sido um mensageiro de boas notícias, um selo de boas novas. Talvez seja apenas uma grande coincidência. Mas uma coisa é certa: Joana estará comigo, daqui para a frente, para todo o sempre.

PS.: E para quem não acreditou nessa história, veja duas fotos que tirei da pequena Joana. Ou passe no meu prédio e pergunte ao Adailton, porteiro da noite.

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