Na defensiva

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Sempre tive problemas com meu nome. Peterso. Sem "n". Meu pai não gostava do som nasal, então...

E sempre precisei, de uma forma ou outra me justificar, me amparar na mania ufanista do meu pai: "você nasceu no Brasil, tem que ter nome brasileiro". Poderia ser José, João. Porém, fã incondicional de Fórmula 1, deu aos dois filhos nomes de corredores: Emerso, pelo Fittipaldi, e Peterso, pelo sueco Rony Peterson (falecido no ano de meu nascimento), pensando que, ao tirar o "n", nacionalizaria os nomes. Ouço essa história desde que me conheço por gente, de pequeno já ninguém me chamava pelo nome certo e eu me perguntava "Por que eu tenho que me chamar assim?". Talvez seja por isso que eu tenha tantos apelidos. E também por isso briguei com um professor de português, que queria acentuar meu nome, Péterso, pois é proparoxítona. Meu nome, muitas vezes, me deixou em desespero:

— Qual seu nome?

— Peterso.

— Ah tá, Jéferson. Qual sua idade?

— Meu nome é Peterso.

— Ah, Peterson. Então, qual sua idade?

— Não, senhora. PE-TER-SO. Sem "n".

— Nossa, que diferente. Foi erro de cartório?

E lá ia eu, justificar meu nome, meu pai, brasileiro, Fórmula 1, Fittipaldi. E logo em seguida eu via aquela cara de "nossa que história comprida. E chata". Me arrependo sempre ao terminar a história toda, mas não perdi o vício. Sempre quando a célebre pergunta chega: "É assim mesmo?" eu inicio minha ladainha automática, quase um script de telemarketing para justificar a origem (ou a deturpação) do meu nome, que nem feio é, apenas soa diferente. Mais uma justificativa, elas me perseguem.

Quando me tornei adulto, apesar de não perder a mania de me justificar, comecei a gostar do meu nome. Não sou confundido em chamadas ou listas de espera. Não tenho homônimos, fica mais difícil falsificar meus documentos, me confundir na malha fina da Receita Federal. Uma vez aprendido meu nome, ninguém mais consegue chamar os "Petersons" direito, as pessoas começam a se policiar para não botar “n” onde não tem.

A transferência da justificativa do meu nome para a da minha profissão foi um pulo, já estava escolado em me "desculpar" por essa profissão que havia escolhido: tradutor. Em casa a escolha não foi difícil, seria praticamente o primeiro da família a ter um diploma universitário, então não importava muito do que seria. Meu pai me deu um nome diferente e uma certeza, nessas palavras: "Você vai estudar tudo o que eu não estudei". E ser tradutor foi um acaso, mas isso é uma outra história.

A questão é: eu não conseguia me chamar de tradutor. Há oito anos trabalho no em um escritório de tradução, nem todos esses anos como tradutor, mas, mesmo com o cargo nas mãos, a profissão em exercício, eu não me livrava da frase: "Trabalho com tradução". Oras, quem trabalha com tradução pode ser editor, revisor, agenciador de traduções, coordenador de tradutores, digitador e até mesmo a moça do financeiro que paga tradutores em uma empresa do ramo. Porém, no meu inconsciente, algo me dizia: "quem é você para se chamar de tradutor?". Além disso, quando você se intitula assim, muitas pessoas olham de esguelha e dizem "ah tá, legal". Me sinto um físico quântico, ninguém sabe direito o que o cara faz. Não, eu não sou físico quântico, sou apenas tradutor.

E hoje tenho um desafio em mãos. Dizer com todas as palavras, sem medo e acreditando piamente na lei da atração: Eu Sou Escritor. Acho que esse é realmente o Segredo, dizer sem medo de ser feliz.

Bem, enquanto isso, caso alguém me pergunte se sou escritor, vou logo dizendo: "ah, eu escrevo algumas coisinhas".