Sem livros, eu teria me desesperado há muito
tempo. Arthur Schopenhauer
Peguei essa frase na crônica de hoje do Roberto DaMatta, no Estadão, que em certa parte toca num assunto que pega a maioria das pessoas: nossa cegueira diante da nossa própria vida e da nossa minúcia em ver o que há de mal no outro ou no mundo que nos cerca. Se nos minúsculos detalhes tudo parece ridículo ou cômico, como diria Schopenhauer, se nos atentarmos para perceber o que realmente são esses detalhes, veremos muita beleza e teremos gratas surpresas.
No menor muitas vezes está a maior das maravilhas. No mundo de hoje, ditado pela grandiosidade, pelo glamour, pelo luxo, pelos megas e gigas e teras, torna-se cada vez mais complexo sentir como as pequenas coisas da vida ainda são as mais importantes. Cada vez mais o egocentrismo toma conta das pessoas, deixando cada vez mais lugar ao que esta a nossa volta. Vemos nossa imagem nas águas límpidas e a imagem do outro no charco podre, o abraço de Narciso é mais e mais contíguo. E com isso deixamos de lado as pequenas maravilhas gratuitas do mundo. Pare e pense bem: qual foi a última vez que você parou numa rua arborizada apenas para sentir o cheiro das folhas e ouvir os passarinhos, ou o farfalhar dos galhos? E a última vez que brincou com uma criança até suar, ficar sujo e feliz como a própria criança? E quantas vezes ouviu (sim, é feio ouvir conversa dos outros, mas às vezes é inevitável) uma conversa entre velhinhos namorados que se amam, juras de amor, ou até mesmo uma implicância boba? E quando foi a última vez que, deitado(a) na grama de um parque, você viu desenhos em nuvens?
Vivemos num dia com 24 horas oficiais, mas com sensação de 15 horas. Não comemos direito, não dormimos direito, há tantas coisas a fazer, tantas opções, tanta oferta que acabamos frustrados, muitas vezes, por não termos assistido àquela peça, ouvido aquela música, ido àquele filme no tal cinema. Será que há motivo para essa frustração? Nos exigimos cada vez mais, no trabalho e nos relacionamentos, nas relações sociais, pessoais e familiares, o estudo virou uma pressão desumana, somos sugados pela nossa própria ânsia de sermos melhores. Será que seremos melhores de verdade seguindo esse ritmo?
Inegável a importância do crescimento profissional, cultural e social, mas vale mesmo a pena todo o sacrifício que muitas vezes fazemos para esses crescimentos? Vejo muitas pessoas que, na minha idade, estão muito bem financeiramente mas não possuem o discernimento de quando parar, de quando optar pela qualidade de vida em detrimento dos bens materiais e status, seja profissional ou social. Vivemos no capitalismo, mas de uns tempos pra cá devo dizer que arriscaria a troca de uma letra e afirmaria que vivemos mesmo é no capetalismo, e queimamos no fogo que o Asmodeu preparou aqui na terra em forma de cédulas monetárias.
E os livros, onde entram nessa história?
Como perceber a beleza de certas coisas sem nunca antes tê-las imaginado, visto acontecer pelas páginas de um livro? As fotos e imagens são ditatórias, impõem a verdade nua e crua e, em tempos de concreto e tristeza, o livro nos ajuda a fantasiar, a sonhar um pouco acordados. São caros ainda, eu sei, e poucos têm acesso, apesar do aumento a olhos vistos da freqüência das livrarias (escrevi sobre isso no blog coletivo Os Bloguistas, há um tempinho), mas há opções. O livro nos toma pela mão e nos faz perceber diversas coisas sobre nós mesmos e sobre o mundo cruel em que vivemos. E por falar em livro, menciono por fim o mestre Milan Kundera que, na sua obra prima A Insustentável Leveza do Ser mostra como o médico-cirurgião Thomas, após algumas agruras, decide largar sua profissão e sua promissora carreira para lavar janelas em uma cidade do interior. Apesar de os motivos não serem de todo louváveis, ele descobre como aquela vida sem grandes preocupações aumenta a qualidade da vida de qualquer pessoa. Talvez essa seja uma medida exagerada, mas acredito que dá para pensar em formas de "puxar o freio de mão" e finalmente buscar um pouco mais de paz.