Abre Aspas (atrasado)


Confesso, não sou muito afeito à poesia. À prosa e à prosa poética sou bastante dedicado e assíduo; contudo a poesia é meu vergonhoso fraco. Para quem quer viver de letras (e já delas vive de certa forma), a poesia é um dos combustíveis de outras artes e uma arte de muita

Há pouco iniciei algumas leituras em poesia, como uma forma de busca de inspiração para escrever. E comecei por um dos mestres da poesia em língua portuguesa, Fernando Pessoa, ou melhor, do seu heterônimo, Alberto Caeiro.
Considerado o mestre dos heterônimos de Fernando Pessoa (que esquizofrênica e maravilhosamente criou outros dois, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, além de outro semi-heterônimo, Bernardo Soares), Caeiro denomina-se "O Guardador de Rebanhos" e figura como um homem de cultura vasta, mas que é contra o pensar: pensar tira a visão. É um antimetafísico, acredita no que pode ver e sentir, um sensacionista que, de acordo com pessoa, segue três princípios: 1. todo objeto é uma sensação nossa; 2. toda a arte é a convenção de uma sensação em objeto; 3. portanto, toda a arte é uma convenção de uma sensação numa outra sensação (maluco, não é?). Apesar de complicado, Caeiro é o mais simples e o que busca mais simplicidade na linguagem e nas imagens, o que o torna bastante profundo. Escolhi um trecho d' O Guardador de Rebanhos, de Poesia Completa de Alberto Caeiro (Ed. Hedra) que me impressiona por ser contrário a toda e qualquer forma de "viagem na maionese". O real mais real que nunca.
Aproveitem!

HÁ METAFÍSICA bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia eu tenho das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

(...)

Pensar no sentido íntimo das coias
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(...)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

(...)