¿Capitán?

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Saio do velho casarão na rua Amargura e passo pela Iglesia del Santo Cristo, faço o sinal da cruz e peço bênção a Changó, com minha guia nas mãos. As ruas de Havana estão vazias, estranho para uma manhã de terça-feira. Crianças passam brincando com suas bolsas, seus uniformes. ¡Buenos Dias! cumprimento o guarda que fuma na esquina, uma mão com o cigarro, a outra no cacetete. Cara de poucos amigos, responde com um aceno de cabeça. Sigo pela Obispo, pela Mercaderes, olho o imponente hotel Ambos Mundos e a calmaria continua, mesmo nessa rua que sempre tem agitação de turistas, vendedores ambulantes, músicos, cafés, bares. Na San Ignácio vejo um senhor, com seus setenta anos de idade e lágrimas nos olhos. ¿Que pasa, hombre? pergunto preocupado, pois ele não parece bem.

"El capitán se fué" e continuou sua caminhada, enxugando os olhos nas mangas da camisa creme. Corro pela praça da Catedral e vejo uma senhora despreocupada em uma viela, lendo o Gramna. Pergunto o que houve, que havia acontecido com o Presidente e seus olhos sombrios e fitaram de esguelha, para dizer em seguida: renúncia. Meus braços penderam, eu estava incrédulo. Olho para a Catedral, meus olhos enchem d'água. Ainda não entendo por que, mas rasos d'água meus olhos se lançam ao redor. Os bares e restaurantes se abrem, tímidos. Uma mulher varre cabisbaixa a calçada, enquanto um homem gordo coloca as mesas para fora, num esforço hercúleo.

Na praça José Martí, defronte ao Capitólio, estão reunidos os jineteros a espera dos turistas, os trabalhadores, os velhos que jogam cartas e discutem política. Todos murmuram, estranhamente, em vez de falar aos altos brados como de costume. Muitos jornais a mão, a leitura é concentrada, como se tentassem entender algo cifrado nas entrelinhas da Carta de Fidel. Paro ao lado de um deles, aceno com a cabeça, ele responde com um esgar no canto da boca.

- Eh, hijo, já soube?

- Sim, soube. Ainda não acreditei muito, hoje é primeiro de abril?

- O pior é que não. Hoje é 19 de fevereiro. Fiz as contas, são 49 anos e 55 dias desde a revolução. Quarenta e novo anos! Lembro como se fosse ontem Fidel sobre el camión, feliz e sorridente, bradando as armas. Eu era um adolescente, meus olhos brilhavam frente ao capitão. Confesso que chorei...

Olhei para o homem. De seus olhos, como dos meus, já brotavam as lágrimas. Pousei a mão em seu ombro e me despedi. Ao atravessar a rua, quase um camello me pega, um ônibus cheio e, mesmo assim, silencioso.

Sou testemunha, hoje, de mais uma reviravolta da história. Imaginei e esperei por esse momento, no qual a esperança da liberdade para o mundo ocidental chegaria aos borbotões, em vermelho, branco e azul. Porém agora tenho medo. Medo do que minha amada ilha vai se tornar. Medo de que não sejamos mais nada frente ao mundo moderno além de belas praias e tabaco. Que nossa cultura se afunde na lama capitalista, como tantas outras que se acostumaram à usura. Vou à santería, para pedir ao meu pai Changó que guie com força e justiça essa ilha, que agora resta perdida.

Malecón, a avenida beira mar, tão vazia. Caminho em passos lentos, despreocupados. Olho para o mar, que se abre imenso nos braços de Yemanyá. O vento balança os cabelos negros e a saia vermelha da mulher que está a minha frente. Com as mãos na amurada do Malecón, ela fala. Nos olhos da cubana, o vazio. No céu azul onde brilha intenso o sol, a grande interrogação. O que será de nós agora? é o que ouço no sussurro da bela negra que se dirige aos céus. ¿Donde estás ahora, capitán?