
Aos 16 anos, Kichutinha de boba não tinha nada. E se sentia bem com os meninos, entre eles. Tinha um namoradinho, do qual ela acreditava gostar muito e que se mostrava apaixonado por ela. Vestiu por ele a primeira mini-saia e, num desengonço desmedido, equilibrou-se em uma baixa sapatilha que lhe encheu os pés de bolhas doloridas. E assim vivia feliz, sem muitos medos, apesar de suas poucas certezas.
Até que um dia (sempre há de chegar o dia), sua mãe mandou que fosse até a casa de sua avó, num velho apartamento na região central, levar dinheiro, uns remédios para a pressão e um pão doce de padaria. O prédio antigo da avó contrastava sobremaneira de seus habitantes modernosos. Kichutinha enfiou-se em seu camisetão preferido, vestiu uma bermuda, tênis, boné e partiu, não sem antes, num lampejo de vaidade, passar um batom muito claro que deixava seus lábios brilhantes e, até mesmo, sensuais.
Sem problemas no caminho, que demandou um ônibus e um metrô e uma corridinha para não ser atropelada, entrou no prédio da avó, cumprimentou o porteiro e seguiu, cantarolante pelo frio corredor de mármore até entrar no antigo elevador. Quando apertou o sétimo andar, uma mão muito branca interrompeu o fechamento da porta e, em seguida, uma mulher entrando no elevador exalava um perfume leve e sedutor. Alta, num vestido preto muito colado ao corpo perfeito, de olhos mel e sorriso largo, cabelos até a cintura: estava ali a criatura mais inquietante que Kichutinha havia visto.
- Desculpe, boa tarde. - disse a mulher, num vozear rouco.
- Boa tarde.
Cruzados os olhares a mulher pergunta nova aqui que flui tão leve quanto a resposta quase inaudível não minha avó tão suave quanto o claro, prazer, Lúcia Pimenta. Alice, respondeu Kichutinha, de olhos baixos, envergonhada. Bela menina, você, disse Lúcia Pimenta antes de tocar o rosto, resvalando o lábio e os pequenos seios da menina. Ao abrir-se, a porta do elevador se abre e elas se despedem num sorriso que só elas entendem.
E partir desse dia, Kichutinha aposentou seu apelido e nunca mais jogou bola com os meninos. Agora, ela era mais menina...
Inspirado no conto "Fita verde no cabelo", de Guimarães Rosa.
Imagem: blog Universo 80.