Acabo de ler (nas minhas leituras concomitantes, intermitentes e inconstantes) um belo livro do alemão Heinrich Böll (1917 - 1985), Pontos de Vista de um Palhaço (Ed. Estação Liberdade, 308 p., Trad. de Paulo Soethe). Böll foi um grande escritor, com a verve do crítico ferrenho à cultura alemã e aos seus caminhos e descaminhos nas duas Grandes Guerras e, em seguida, com o infame muro (conhecido como Schandmauer, ou Muro da Vergonha), não vendo, infelizmente, a queda deste último.
Pontos de Vista de um Palhaço traz a história de Schnier, um palhaço especializado em mímica de grande fama nos palcos alemães que, ao enfrentar alguns revezes, se vê falido e com uma carreira tão em frangalhos quanto o joelho que machuca numa desastrosa apresentação, aos 25 anos de idade. Nesse momento de desespero, o filho da rica família Schnier das minas de carvão volta para seu apartamento em Bonn, onde repensa sua própria vida enquanto entra em contato com diversas pessoas que talvez possam lhe trazer alguma esperança.
Crítica feroz à igreja católica e ao nazismo, com seus dogmas e desmandos, também destila veneno contra toda a religião ou ideologia que incite o ser humano de forma absurda. O livro é composto de memórias do palhaço sobre sua infância (na Segunda Guerra), sua relação com a namoradinha católica (que primeiro se entrega à aventura da vida com um palhaço para, em seguida, fazer as pazes com o catolicismo e sua clausura ideológica) e seus momentos de sucesso. Às memórias do palhaço contrapõe-se o presente do palhaço: abandonado pela mulher, à beira da miséria e sem ninguém por perto. Assim, resolve recorrer a todos os seus conhecidos, amores e desafetos. Numa linguagem áspera, a acidez bem-conhecida em Böll dá voz Hans Schnier, que desfere golpes certeiros nas relações humanas em diversos níveis, seja social, religioso e sexual. O livro teve grande repercussão na Alemanha e foi filmado nos anos de 1960 pelo diretor checo Vojtech Jasny.
Vale a pena.