- Abra a porta motorista, minha filha ficou para fora.
- Não vou abrir, desce no próximo e volta pra buscar.
Domingo de sol a pino. Uma e trinta e cinco da tarde. Na Paulista, em frente ao Conjunto Nacional, acontece um rebuliço. Gente que desce do ônibus, gente que corre, outros ônibus estacionam. Gritos. Uma criança chora.
- Não me faz perder a cabeça, abre logo.
- Tô atrasado.
Um estrondo. Vidros estalam seus cacos na calçada recém-pavimentada. A mão sangra. A imagem da boca da criança aberta e das lágrimas que mancham a pele morena apavoram aqueles que aguardam sua condução. O senhor humilde, de bermuda cáqui amarrotada e camisa branca aberta e encardida tem fúria nos olhos fundos. Sua boca treme de ódio e mágoa, por que nos tratam assim, diz suas mãos trêmulas, uma delas ensangüentada.
- Você é louco? Vai pagar por isso, desgraçado.
- Abre essa porta agora.
As pessoas se atropelam na saída do coletivo. Olhos escancarados e curiosos pelo acontecido. O motorista, aos berros, pega o homem pelo braço que, impassível, segue o algoz. É levado para os policiais que assistem impávidos à cena recostados à banca de jornal. Alguns passageiros se revoltam, algumas mulheres cuidam da criança que berra em desespero. A culpa é do motorista, gritam alguns, este parece estar dominado por um espírito ruim, berra ao lado dos policiais, dizendo que o homem deve pagar pelo estrago. O pai não diz nada, olha para baixo e de esguelha para o motorista.
Uma policial pega a mão da garotinha, que reluta em seguir a oficial. Ela tenta acalmar a menina, que repete meu pai, meu pai, com voz entrecortada pelos soluços. São conduzidos para uma viatura, pai e filha. O motorista parece contente, seu sorriso de dentes escurecidos reluz na tarde de domingo. Está realizado.
- O senhor também, pode entrar.
- Mas e meu carro? Tenho que entregar meu carro ainda...
- Peça para o cobrador tomar as providências. Resolvemos isso no distrito.
As pessoas olham, incrédulas. Algumas sorriem, sentem que a justiça fora feita. O sol, ardendo lancinante sobre as cabeças, por um momento esconde-se por trás de uma nuvem solitária. Os murmúrios se dispersam, devagar, ao vento, até desaparecerem. Como se nada tivesse acontecido naquele domingo de sonho.
- Não vou abrir, desce no próximo e volta pra buscar.
Domingo de sol a pino. Uma e trinta e cinco da tarde. Na Paulista, em frente ao Conjunto Nacional, acontece um rebuliço. Gente que desce do ônibus, gente que corre, outros ônibus estacionam. Gritos. Uma criança chora.
- Não me faz perder a cabeça, abre logo.
- Tô atrasado.
Um estrondo. Vidros estalam seus cacos na calçada recém-pavimentada. A mão sangra. A imagem da boca da criança aberta e das lágrimas que mancham a pele morena apavoram aqueles que aguardam sua condução. O senhor humilde, de bermuda cáqui amarrotada e camisa branca aberta e encardida tem fúria nos olhos fundos. Sua boca treme de ódio e mágoa, por que nos tratam assim, diz suas mãos trêmulas, uma delas ensangüentada.
- Você é louco? Vai pagar por isso, desgraçado.
- Abre essa porta agora.
As pessoas se atropelam na saída do coletivo. Olhos escancarados e curiosos pelo acontecido. O motorista, aos berros, pega o homem pelo braço que, impassível, segue o algoz. É levado para os policiais que assistem impávidos à cena recostados à banca de jornal. Alguns passageiros se revoltam, algumas mulheres cuidam da criança que berra em desespero. A culpa é do motorista, gritam alguns, este parece estar dominado por um espírito ruim, berra ao lado dos policiais, dizendo que o homem deve pagar pelo estrago. O pai não diz nada, olha para baixo e de esguelha para o motorista.
Uma policial pega a mão da garotinha, que reluta em seguir a oficial. Ela tenta acalmar a menina, que repete meu pai, meu pai, com voz entrecortada pelos soluços. São conduzidos para uma viatura, pai e filha. O motorista parece contente, seu sorriso de dentes escurecidos reluz na tarde de domingo. Está realizado.
- O senhor também, pode entrar.
- Mas e meu carro? Tenho que entregar meu carro ainda...
- Peça para o cobrador tomar as providências. Resolvemos isso no distrito.
As pessoas olham, incrédulas. Algumas sorriem, sentem que a justiça fora feita. O sol, ardendo lancinante sobre as cabeças, por um momento esconde-se por trás de uma nuvem solitária. Os murmúrios se dispersam, devagar, ao vento, até desaparecerem. Como se nada tivesse acontecido naquele domingo de sonho.
[originalmente publicado em Letras e Vozes.]