A primeira leitura, entre muitas


David Toscana, escritor mexicano nascido em Monterrey, dá ao seu estilo ficcional o nome de "realismo desquiciado", ou realismo desvairado, e talvez seja esse mesmo o ponto alto de seu potencial criativo: os desvario, o absurdo real, o limite onde facilmente realidade, ficção e outros elementos se misturam para formar uma obra que impressiona. Ao menos foi assim que O último leitor (Casa da Palavra, 2005, Trad. Ana Pelegrino e Magali Pedro) me pegou nas suas 159 páginas áridas por paragens mexicanas que quase ninguém vê, como nosso sertão. Um romance ágil, de capítulos curtos e densos. A história de Lucio, o bibliotecário de Icamole, uma cidade onde nem a chuva chega, e de seu filho Remígio, quem primeiro dá as caras no livro, é contada com uma velocidade cinematrográfica, salvo certos pontos de reflexão no meio do caminho. A história acontece em meio à seca de meses na cidadezinha e começa quando Remígio vai até seu poço, o único que ainda resiste vertendo água naquelas cercanias, e se depara com uma surpresa: o corpo de uma menina que fora jogada lá dentro. Depois de retirada a garota, Remígio corre até Lucio para que ele o ajude a dar fim ao corpo. Lucio, claro, já liga a história da vida real a um romance de suas estantes e que não foi jogado no "inferno", um local onde os livros reprovados por serem ruins, usarem clichés e fórmulas prontas ou pela inverossimilhança são jogados com o carimbo "Censurado". A partir da descoberta da menina no poço, a vida de ambos será envolvida em uma sucessão de acontecimentos reais ou imaginários, pois a sombra dessa morte o tempo todo estará às voltas com outro vulto: o do desejo carnal. Para esses seres do meio da poeira desértica de onde antes era mar, os desejos mais primitivos são facilmente despertados, mais rudes e cruéis, mesmo em Lucio, o leitor "profissional" de Icamole. O místico e o cético, o profano e o imaginário são os ingredientes perfeitos para uma obra deliciosa. Vale a pena.