Pombas

Diferente do personagem aposentado de Patrick Süsskind, admiro as pombas. Principalmente aquelas sujas, cinzentas e encardidas. Como sofrem essas pombas, trazidas para dar um air de Paris para as recém-nascidas metrópoles brasileiras, que hoje infestam nosso ar e trazem apenas doenças, é o que dizem. Aos milhares elas povoam forros e se empoleiram nos fios. Quando um está desencapado, coitada, perde a vida ou até pior, apenas alguns dedos. Já viram uma pomba com seu pezinho mutilado pela corrente elétrica de milhares de volts que transitam pra lá e pra cá para o nosso conforto?
E aquele personagem do Süsskind não temia nada em sua incipiente velhice. E por uma única pomba que pousara inocente na janela que dava de frente para a porta de seu apartamento ele não conseguia sair para a rua. Uma espécie de paralisia o tomou, coitado, e assim ficou num misto de angústia e pavor. Até que a pomba foi embora e ele pensou que haveria paz, mas ela deixou sua marca, seu escremento verde esmeralda estava ali para representá-la. E ele não saiu.
E eu vejo da minha janela o voo de uma pomba sob a garoa íntima, embaixo dela o mundo acontece, a ambulância leva seu paciente, os carros transitam se estranhando, algumas pessoas abrem guardas-chuva, outras deixa aquilo que é quase sereno acalmar o ânimo de um sábado quente. Não é uma chuva de verão, apenas uma garoa sem estação, perdida em meio aos prédios e banhando o voo daquela pomba, o passaro urbe. Nas costas dela havia um arco, seu bico era a ponta da flecha que meus olhos acompanharam com admiração. Agora eu posso sair de casa, pois ela já foi...